Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 110

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 O inusitado foi na despensa. Mané Desmaio, flagrado pela mulher quando assediava a Gerusa, empregada da casa, simulou um desmaio e a boazuda tentou ampará-lo. Não se sabe como é que ele arrumou para cair largado e bater com a cabeça na panela de ferro que escapulira das mãos da assediada. Depois daquilo, já não era mais o mesmo, foi encolhendo na expressão – quase não falava – e diminuindo de estatura, até que virou nada, e morreu, coitado. E os amigos diziam: “o que não faz uma panela, hem!” – só que a panela era apenas um detalhe. Depois, a curiosidade quanto à reação da viúva quando o caixão baixasse à sepultura. Um rio de lágrimas ou um rosário de vitupérios? Nem um, nem outro. Ela desmaiou. A maledicência continuou: de ódio ou de amor? E todo mundo queria lembrar os tempos da infância, da adolescência e da entrada para a vida adulta. Muitos dos presentes comichavam de vontade de remexer nos acontecidos obscuros da vida das pessoas. Pensava comigo: vamos devagar com o andor que o santo é de barro. E era mesmo. O Lindolfo, por exemplo... Quando lidávamos na sapataria do Quim Zé - um senhor já de idade e que levava vida em sobressaltos financeiros - ele, o Lindolfo, remunerado por peça trabalhada, tinha o disparate de acrescentar duas, três ou quatro unidades a mais na lista dos sapatos em cujo solado dava o acabamento, e o bem intencionado Quim não atinava pela coisa. E a turma ficava a lembrar dos apelidos, e Josimar da Dina, ali presente, já foi ficando ressabiado. E não deu outra. Todo mundo se lembrou: Boca de Traíra! Não se sentiu ofendido. Do contrário, riu à beça. - Bons tempos! – falava a todo instante meu amigo Lindolfo, com o que todos concordavam. - Na minha campanha – continuava ele – vou bater forte para o retorno da moral, da ética e dos bons costumes. Bons costumes, sim, bons costumes 105