Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 10ª edição | Page 91
LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
concreto para explicar o abstrato do tempo, especialmente o abstrato de uma
meia-hora.
O Balão Mágico. Ele assiste todos os dias. Infelizmente os meus filhos são
escravos da TV, esse monstro de deseducação. E as manhãs do Samuel ele as
passa com a turma do balão.
— Sabe, filho. Meia hora é assim. Começa o Balão Mágico e a Symoni e o
Cascatinha conversam. Passa um desenho, eles tornam a conversar, passa uma
propaganda, eles voltam, passa outro desenho. Quando começar a outra
propaganda, o papai chega em casa.
Ele choraminga e a voz custa a sair:
— Uai, então o senhor vem é só amanhã cedo???
— Não, filho! Agorinha mesmo o papai vai! Olha, eu preciso desligar. Tchau,
viu?
— Tchau, papai! Bença!
— Tchau, filho. Deus te abençoe!
Espero que ele desligue. Ouço seu resfolegar lacrimoso.
— Tchau, filho!
— Tchau, pai! Ô, papai, demora menos de meia-hora, tá?
Eu desligo, com um nó amargo na garganta, vou para a sala e termino
minha aula. Quinze minutos depois corro ao telefone. Maria Joana atende:
— Ah, o Samuel? Dormiu. Chorou até ver, porque você ia demorar e
dormiu, tadinho!
Desligo com uma lágrima querendo saltar. Amanhã, quando eu sair, ele
estará dormindo. Quando eu for almoçar, ele estará para a escola. Só nos
veremos ao jantar. E normalmente eu estarei nervoso e cansado. Só haverá
monólogo. E estarei a cada dia que passa, vivendo menos meias-horas para o
meu filho.
https://www.facebook.com/ernane.reisgoncalves
86