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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
Inominável do Além
Gerson Machado de Avillez
Rio de Janeiro/RJ
"O Medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em
seu íntimo, chama de religião."
Thomas Hobbes, Liviatã - 1651
Iraque, 2015
Seu único erro fora não aceitar professar as mesmas convicções religiosas de
seus algozes. A negação da fé alheia desencadeou então uma sequência de
crimes o qual o Estado Islâmico alegava ser “consequências de negar Alá”. Assim
ela viu seus pais morrerem como o Cristo que eles acreditavam, crucificados de
modo ímpio e profano viu o sangue de sua família escorrer lentamente em meio
aos gemidos de seu flagelo como moribundo epitáfio de dor. Agora, ela não mais
aguentava ser vendida como “esposa” a fim de atender os deleites sexuais
doentios daqueles fanáticos radicais.
Mas aquela noite tudo mudaria. Quando seu quinto “esposo” adentrou o
recinto a fim de violar mais uma vez a jovem, ela fechou os olhos e submergiu
em seu inconsciente como vã tentativa de fugir de si mesma ante a atroz
situação. Após a primeira vez que fora deflorada ela não sentia mais muitas
coisas com seu clitóris extirpado, permanecia praticamente estática como um
boneco de carne ante o rufar da respiração dos sexualmente famélicos
seguidores do Alcorão, isso até ouvir gritos e um vociferar tenebroso dos homens
que aguardavam seu Madhi.
Tiros irromperam e interromperam o coito daquele ser de moral estropiada
por seu fanatismo, por um instante pensou ela que estaria sendo resgatada por
uma tropa da ONU, mas milagres não existiam num Oriente Médio sob o mando
daquele grupo.
O homem vestiu as calças e pegou seu AK-47 porta a fora. Era noite
escura, mas naquele momento ela vislumbrou apenas um intenso trepidar de
uma luz que chocou o homem que parecia estar repentinamente paralisando ante
uma tenebrosa visão.
A jovem lentamente pegou seus trapos os vestindo em frangalhos e
aproveitando a situação saiu de soslaio pela porta dos fundos. Gritos e gritos se
ouviam em meio aos tiros, mas temendo fintar diretamente a fonte da luz apenas
lhe deu as costas rumo a aridez desértica da região. Cambaleou de um lado a
outro, extenuada de cansaço, tropeçou numa pedra e caindo de joelhos sentiu
sangue escorrer de suas vísceras pouco tempo atrás penetradas a contragosto
dela. Porém, naquele momento a luz cessou assim como os tiros e as vozes de
medo, o silêncio prenunciava a morte.
No dia seguinte um pastor atravessava ovelhas quando notando uma
espessa fumaça cinza resolveu aproximar-se do vilarejo. O que encontrou
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