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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
Filhote
Fernando Neneve
Cornélio Procópio/PR
Havia tristeza em seu olhar: sentado no banco da praça ele fitava o horizonte
sem conseguir enxergá-lo, de fato. Estava escuro e era só meio dia. O Sol,
eclipsado por pesadas nuvens de chuva, brilhava timidamente por trás da cortina
de ferro: terça-feira estranha para se dizer o mínimo.
Estava tão feliz pela manhã: sorria inocentemente enquanto corria atrás das
borboletas no jardim. Prometi que iríamos ao parque mais tarde e ele não se
continha de tanta alegria. Não é todo dia que se comemora dez anos, não é
mesmo?
O Sol desta manhã não se parecia em nada com este, o aniversariante menos
ainda. Os últimos dias de férias passam sempre muito mais rápido que todos os
outros e a realidade começava a bater à nossa porta.
Ele adorava comemorar aniversários, ansiava por isso o ano todo. Em Dezembro,
ao entrar de férias, ele sabia que viriam as festas de fim-de-ano, as férias
inteirinhas e o seu aniversário, em Fevereiro... os dias mais felizes que ele
poderia ter. Porém, quando seu aniversário finalmente chegava, ele sabia que
teria de enfrentar o ano todo até que as férias chegassem novamente - quando
ele compartilhou esse pensamento comigo, no ano passado, fiquei perplexo. As
crianças de hoje em dia são muito calculistas, pensei comigo.
Sentia saudades da mãe, também. Acho que ele não assimilou muito bem o que
aconteceu e creio que ele ainda a espera chegar, todos os dias, aos fins de tarde.
Já não chora mais, porém ou pelo menos não com tanta frequência...
Eu choro: o peso da saudade é quase insuportável e a pressão que enfrento por
ter de sorrir e ser forte ante tudo o que aconteceu é esmagadora. Mas sorrio,
enfim, por ele: jamais me perdoaria se a infância de nosso filho fosse roubada
por essa tragédia...
Mesmo depois de seis meses eu ainda não consigo aceitar o que aconteceu, ou
por quê... Mas não havia nada que eu pudesse fazer, nada. Sinto tanto a falta
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