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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
estadual que havia pouco víramos pela janela (limpava o chão, espanava os
livros, fazia toda sorte de serviços não-qualificados), e, marcado pelo estigma da
cadeia, não conseguia emprego de carteira assinada (e como conseguiria,
pergunto-me eu, com três dias da semana comprometidos?); portanto, vendia
doces nos ônibus. Entrara ali de mãos vazias, pois, ao sair do colégio, chegara
em casa e viu que acabara o leite do seu filho caçula. E ali estava ele não
vendendo doces, mas pedindo trocados, não para o leite do menino, mas para
comprar doces a fim de vendê-los e conseguir o necessário para o leite e outras
despesas.
Foi esse o discurso e passou de poltrona em poltrona, recolhendo doações.
As pessoas – poucas – entregavam-lhe moedas de pouco valor. Desesperei-me:
havia uma criança com fome; quanto tempo aquele homem de voz já rouca
levaria para angariar dinheiro para os doces e, depois, quando conseguiria
vender o suficiente para comprar a necessária lata de leite? Prontifiquei-me a
comprar a caixa de doces que ele queria. Ele, aliviado, agradeceu, sentou-se ao
meu lado e dormiu.
Saltamos no ponto final, quando ele finalmente acordou e fiz-lhe
perguntas: qual sua instrução? Tivera oportunidade de estudar no presídio? Disse
que fizera até a 8ª série (atual nono ano do Fundamental) e que não havia
professores no presídio de Água Santa.
– Só o que tinha lá era maconha e cocaína para nos perder. Eu estou me
ressocializando com meu próprio esforço. – declarou, revoltado na primeira frase,
orgulhoso na segunda.
Chegamos à loja de doces. Pediu-me que comprasse uma caixa de jujubas
que custava R$ 23,10, porque, quando vendesse todo seu conteúdo, teria em
mãos R$ 60,00. Comprei e ali mesmo rasgou-a para expor a mercadoria que
minutos depois estaria vendendo. Deu-me um dos mais calorosos abraços que
recebi na minha vida. Desejou que Deus me abençoasse e eu apenas o
aconselhei que procurasse ler enquanto estivesse cumprindo sua prestação de
serviços na escola.
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