LiteraLivre Vl. 2- n º 10 – Jul / Ago. de 2018
violentas gotas de chuva. Procura inspiração exterior para entreter a criança hiperativa e tem uma grata surpresa. Percebe que não está estacionada em uma vaga do posto de gasolina que encontrou na rodovia, mas no restaurante ao lado. Embasbacada, não acredita como não percebeu antes.“ A urgência me cegou”, pensa.
Eles saem do carro e enfrentam, por um curto tempo, a violenta tempestade. A mãe vira a maçaneta enferrujada e entra no restaurante. Sua aparência rústica e o cheiro de comida caseira abraçam a cansada mulher. A criança, que há segundos antes estava prestes a chorar por causa do banho gelado, sorri com o aroma e o calor. Ela senta em uma mesa e pede o cardápio. Seu filho adora batata frita e as come bem devagar, como se fosse um minidegustador de filetes de tubérculos fritos. Isso é ótimo para este momento, pois distrairá a criança. Pede uma porção grande com queijo, que aparece pouco tempo depois. Um local agradável. Quase uma casa de avós. O som de um violão sendo dedilhado chama sua atenção para o canto esquerdo do salão.
Sentando em um banco de bar, um homem entoa " Dream On " no seu velho violão enquanto canta em uma melodia lenta, suave e romântica. Um elástico prende seus longos cabelos castanhos em um rabo de cavalo. Sua camisa entreaberta mostra um colar de ouro com um anel de plástico pendurado. Ele canta e toca enquanto encara o piso de madeira maciça. Mesmo sem encarar seus olhos e com a aparência diferente, ela o reconhece. Seu coração para.
Ela se lembra da época do colégio. Foram apresentados por amigos de amigos. Seus distintos gostos encontraram caminhos em comum e os aproximaram. Um relacionamento com promessa de duração eterna. O tempo passou rápido demais e ele se encontrou em uma encruzilhada- seguir seus sonhos ou sua obrigação. Escolheu o dever. Se alistou. Se afastou. Se afastaram. O contato se perdeu no meio da poeira do tempo. A vida seguiu. Ela teve um filho e casou. Não necessariamente nessa ordem. Sua vida teve altos e baixos, mas se mantém estável e feliz. Até aquele momento.
Ela escuta ele tocar. Sua habilidade artística nunca deixou a desejar. Está ainda melhor, se isso é possível. Ele queria ser um cantor. Um artista. Quando escolheu deixar seus sonhos para trás, abandonou o violão. Mas aí está ele, tocando. Feliz. Fazendo o que mais ama. Em um restaurante abandonado por Deus.
Pensa em se levantar e se aproximar. Se trocarem algumas palavras, a vida voltará a ser como antes? Trocarão aquele nostálgico e caloroso carinho que tanto ansiava no passado? É possível escutar seu coração bater, mesmo com a
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