Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 10ª edição | Page 48

LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018 Distância Arthur Kratza Tietê / SP A corrida está acirrada. O líder deu a largada em grande vantagem com um arranque absurdamente rápido, mas estagna no meio do percurso. O segundo competidor, mais lento na largada, se aproxima vagarosamente. O líder consegue avançar um pouco, fazendo uma leve curva para se mover, mas logo perde velocidade. O outro, entretanto, continua seu percurso reto e limpo, diminuindo a distância. O líder consegue se mover em curvas quebradas, mas com dificuldade. Próximo da linha de chegada, o segundo colocado alcança o líder e eles se tocam. Um absorve o outro e os dois se tornam um. A velocidade e volume do novo competidor vence o percurso e chega no final da janela. Novas gotas se formam enquanto a chuva bate na janela do carro e incontáveis corridas começam enquanto outras acabam. O garoto, focado em apostar na gota campeã, acompanha todas elas de perto. O rádio toca "Dear God". A mãe, focada na movimentada e escura rodovia, cantarola enquanto segue o GPS habilmente. A pesada tempestade e a pressa iminente a faz palpitar. Uma mecha do seu liso e negro cabelo insiste em ficar na frente do olho direito, mas não pode lutar contra as leis da gravidade ou cometer um assassinato dos próprios fios. As luzes dos inúmeros faróis cortando a rodovia contrária e refletindo nos retrovisores aumentam sua dor de cabeça. Os convidados podem esperar. Pode, certo? Ela espera que sim. A tempestade pesa ainda mais. Olha seu filho pelo retrovisor. Sua inocência observando a paisagem enquanto gruda no vidro a faz repensar. Encontra um posto de gasolina mal iluminado na rodovia e estaciona em uma vaga aberta. Melhor esperar a tempestade passar, pensa. Que o gerente espere. — Mamãe, por que parou? - pergunta o filho, percebendo a mudança de percurso da sua emocionante corrida de gotas. — Nós temos que esperar a chuva passar, meu anjo. Vamos brincar um pouco? - diz a mãe, tentando distrair a criança da monotonia da longa espera. - Que tal o Jogo das Cinco Perguntas? Após a quinta rodada, a criança começa a emburrar. “Quando vamos embora?”, ele pergunta. A mãe limpa o vidro embaçado, tentando enxergar além das 43