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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
Sémen
Joaquim Bispo
Odivelas - Portugal
O mundo desabou para Cátia e Flávio quando souberam que não podiam ter
filhos. O veredito dos testes de fertilidade, em que ambos tinham andado
enredados nos últimos meses, foi o mais cruel: tinham de abdicar da aspiração
de transmitir vida. E criá-la. De construir um homem ou uma mulher, desde o
nada à vida adulta.
Casados havia oito anos, tinham vivido tranquilos quanto a esse aspeto.
Quando o decidissem, o ventre de Cátia incharia, tinham por seguro. No ano em
que ela fez 35, decidiram que era tempo de terem um filho. Não convinha adiar
mais.
Foi o período de maior e mais livre intimidade do casal. Todos os anteriores
constrangimentos de gravidezes indesejadas tinham ficado para trás. Já não era
preciso usar preservativo, já não era preciso tomar a pílula. Ou interromper o
coito, quando ela descansava da pílula e tinham acabado os preservativos. O
desfrute mútuo fora profundo e total.
Passaram os meses, mas as tentativas mantiveram-se infrutíferas, no
sentido literal do termo. Depois tornaram-se frenéticas e cada vez mais
angustiadas. Pressentiam-lhes a inutilidade. Por fim, tinham entregado as suas
dúvidas à ciência, que os desenganou de vez.
Não é uma notícia com que um casal, ainda na casa dos trinta, lide bem. Só
uns dias depois começaram a recordar e a dar atenção ao que mal tinham ouvido
da boca da médica: Flávio é que não podia ter filhos. A sociedade moderna,
felizmente, já dispõe de “soluções” que permitem ultrapassar esta situação de
esterilidade, quer pela inseminação artificial, com base num banco de esperma,
quer pela adoção. E há tantas crianças à espera de um lar de verdade!
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