Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 10ª edição | Page 106

LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018 acaba que de tudo isso sou feita eu também. Tenho um tudo-nada de tudo e tudo tem um tudo-nada de mim. Então aí é que sou eterna: amo. – Amo-te também, rainha das flores, mas quero-te ainda mais bela, longe desse lugar ermo e malcheiroso, onde nem a lua vem repousar e só se veem ervas daninhas crescendo e bichos esquisitos andando pelo chão. Queria te ter no meu jardim. Ali sim, reinarias. Serias cultuada como uma deusa. Tomarias água da chuva em copos-de-leite, gardênias adornariam teus cabelos, teu belo colo rubro brilharia radiante. Serias para mim minha rainha e eu, para ti, o mais ínfimo dos vassalos. E os passarinhos beija-flores se regalariam junto a tua beleza infinita. A rosa já lá ia pois que todos têm que ir um dia: – Tu me amas? Amas a ti também? Eu não amo ninguém. No entanto, amo a todos. Embora saiba que ninguém ama a todos ao mesmo tempo. – Mas todos amam alguém um dia, minha senhora. E é para mim um privilégio ter a graça de amar-te. Rosa, tu és tão bela; o tempo passa depressa e com ele as nuvens da beleza da vida. Deixa eu te levar. Houve réplicas como veem: rosa, flor de verdade, declarou formalmente que não ama ninguém e, por isso mesmo, ama a todos. O jardineiro, por outro lado, acha que todos amam alguém. A rosa acha que, “ao mesmo tempo”. O jardineiro, “algum dia…”. A rosa é sincrética; o jardineiro, herético. A rosa é harmonia; o jardineiro, melodia. Ele lhe acena com fama, riqueza e poder. Ela lhe revela alguns segredos. O jardineiro a deseja ardentemente. Ela, inocente, deseja e não deseja nada e tudo, nem alguém nem ninguém. Mas os deixemos seguir na sua toada: – Seu jardineiro, eu fico, não vou. Aqui sou eterna glória. Não tenho, não temo, não tremo por ninguém. Só tenho minha própria beleza que não é outra se não a de todos aqui em volta. A glória não é só minha, mas é minha também. Permaneço. – Mas e o luar? Como podes sentires bem sem ele? – Meu caro senhor, sou e estou presa à terra. Se me arrancas daqui, perco minhas raízes. Morro, ou melhor, aprendo que vou morrer. Daí, nem fama, nem riqueza nem nada vai recuperar o eterno, perdido. Vem então o eterno pedido: 101