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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
social, um jornal local fez uma nota sobre aquilo no mesmo dia, o casal contou
para todos os amigos na sua volta para casa. E só.
Seu Valdir cresceu na roça. Trabalhou desde os oito anos de idade com o pai e os
irmãos... é incrível como as coisas mudam: seus netos cresceram sem saber o
que era uma enxada. Foi para isso que seu Valdir trabalhou a vida inteira: para
que seus filhos e netos tivessem um futuro melhor que o seu. E conseguiu. Ele
não aprendeu a ler nem escrever, assinava seu nome com alguma dificuldade,
mas seu filho mais velho foi para faculdade: era o orgulho dele - seus netos logo
estariam em tempo de ir também. Ele não precisava saber ler, nem mesmo saber
escrever, pois, tudo o que queria ele tinha conseguido. Nas reuniões de família
não escondia o orgulho que sentia de todos ali, inclusive de si mesmo, por ter
conseguido tirá-los daquela vida sofrida.
Primeiro foram os nomes: ele chamava um neto pelo nome do outro. Se
demorava a lembrar do nome dos próprios filhos, mas isso é coisa de vô, não é?
Depois as datas: não se lembrava mais dos aniversários ou das comemorações
que faziam todos os anos, mas isso não era problema: afinal, quem lembra de
todas as datas?
Então, num belo dia, ele acordou procurando pela esposa. Aquilo assustou-os um
pouco, considerando que ela havia falecido a alguns anos. Pensaram que ele
talvez estivesse triste por conta de o aniversário de casamento estar chegando.
Decidiram, por fim, esperar que aquele devaneio passasse: o fim do ano estava
próximo e todos estavam muito ocupados para dar atenção a uma bobagem
daquelas.
Seu Valdir acordou naquela manhã de outubro muito triste: sua esposa estava
doente e seu último pedido era poder ver o mar mais uma vez. Ele atravessou a
cidade andando, até chegar a praia. Não havia sol, caminhou pela areia até
encontrar o ponto certo onde a vista do mar seria maravilhosa: queria que sua
esposa aproveitasse o dia. Sentou-se, enfim, sobre a areia e observou o mar
revolto por horas a fio. Não se sentia mais leve, porém, algo lhe faltava:
percebeu que sua esposa não estava mais ali e a confusão tomou conta dele.
Alguns instantes mais e lá estava ela de novo, com a blusa de lã que ela mesma
tricotou... ele a abraçou com força, sentia uma saudade estranha como se não a
visse a anos, e os dois permaneceram ali juntos por uma pequena eternidade.
A família de seu Valdir procurou-o por toda a cidade, mas todo o esforço foi em
vão: se o tivessem visto como ele os via... ninguém o notou, porém, naquela
triste manhã de outubro, nem mesmo antes.
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