LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018
Amor Primeira À Vista David Leite Jandira / SP
- Cartão ou dinheiro ? A voz soava como uma sineta de prata . Tudo na figura da balconista era desconcertante . O chiclete sendo mascado despreocupadamente , em uma longa atassalha com os lábios abertos , o olhar estafado aguardando sua resposta , a resposta que deve ter ouvido milhares de vezes somente aquele dia , apenas variando entre um e outro . Pensou em dar-lhe uma terceira que esperava jamais ter tido antes , mas reservou-se . - Cartão . - Débito ou crédito ? Soa a sineta de novo . Reparou na mancha de gordura de seu avental , e como aquela nódoa indisfarçável conspurcava aquele monumento em sua frente . Pensou em retirar seu lenço e delicadamente consertar aquela imperfeição , mas temia cometer alguma indiscrição . - Crédito , por favor . Quando retirou o cartão de sua mão , tentou roçar seus dedos na dela , tentando , com esse pequeno gesto , transmitir algum sinal do anseio que surgiu ali , dentro dele , quando se dirigiu a pagar sua conta . Errou quando tentou , pois não conseguia baixar o olhar da mira daquele exaurido rosto de madona . Ela pega seu cartão com certa rispidez , num gesto mecânico de quem já o realizou indefinidas vezes , passa-o na máquina , e oferece a ele com a face de teclado voltada à sua direção . Um robô em seu lugar não teria se movimentado com menos graça . Pensou em digitar os números de seu telefone , e , no erro que acusaria , citar esse erro , como um pequeno flerte , na esperança de ter retorno dela , caso guardasse os números . Esqueceu tal ideia . Aperta os botões da senha , a máquina apita e imprime a boleta de comprovação . A moça rasga o papel , e dá a ele com uma caneta para sua assinatura . Ali se apresentava outra oportunidade . - Vou deixar meu telefone aqui também , caso tenha algum problema . – Diz , esperançoso . - Não precisa – A resposta , dura . Frustradas as tentativas , ele aceita sua via e se dirige a porta , com ombros baixos , sem olhar para trás . Retira a chave da Mercedes do bolso , desliga o alarme com um bipe e , ao entrar no carro , lança um último olhar para dentro da lanchonete . Algo havia quebrado o olhar duro da moça e agora ela observava com uma certa curiosidade . Reanima-se , então . Amanhã era dia de outro café ali .
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