LiteraLivre nº 2
Sob Vênus e Marte
Iariny Carvalho
Fortaleza – CE
Tudo poderia ter acabado com um beijo e um adeus mas não haviam
estrelas naquela noite outubro. Demoraram-se olhando o céu de uma
imensidão escura desbotado aqui ou ali por uma nuvem passageira. A
moça apoiava o peso do corpo no muro baixinho da casa. O rapaz, em
pé com as mãos atoladas nos bolsos da calça amarrotada. Uma a uma as
vizinhas recolhiam suas cadeiras das calçadas, despediam-se umas das
outras e enfiavam-se nos universos fechados de suas casas. Antiga
tradição. Apenas uma velha numa cadeira de balanço que tricotava
lentamente alguma coisa escura permaneceu com o gato aos seus pés.
Chamavam-na de bruxa. Restara apenas ela e o casal que olhava
bobamente o céu de outubro. É nesse momento que você vem
caminhando pela calçada em declive, distraído, sentindo o vento que
começa a ganhar força. Você caminha distraído porque existe um
turbilhão de coisas na sua mente e não há espaço para a paisagem
daquela rua pobre do subúrbio, onde só restaram uma velha louca com
seu tricô e o gato e um jovem casal que de amor, talvez você pense, não
conhece nada. Talvez você ria ou fique com medo. Medo? Exatamente. A
rua está vazia, ou quase. Mas você está tão cansado e todo o cosmos
parece entrar em colapso dentro de você. Seu cosmos interior. Todo um
universo comprimido, isolado, curvando-se e expandindo-se. Seu corpo
exausto cai sentado na calçada fria e você olha o céu com os dedos
entrelaçados. Você está tão cansado. De que, mesmo? O céu está
bonito. Tantas estrelas, tantas luzes. Bem que alguma poderia vir até
você. Deus é um pouco injusto, hem? Tantas luzes lá… Mas você apenas
escuta o vento e o murmúrio da conversa do casal. As agulhas do crochê
chocam-se a cada ponto. Um metrônomo, você pensa. O rapaz colhe
duas flores da planta ao pé do muro e a entrega para a moça que rir e as
leva ao nariz. Você sorrir porque sabe que aquelas flores não cheiram
muito bem. Mas a moça sorrir e agradece. O céu está tão mais bonito.
As estrelas parecem descer, tão próximas e brilhantes. Estaria Deus
abandonando seu momentâneo egoísmo? Ele tem tantas luzes. Os
olhinhos da velha passeiam pelo casal até você, cansado, sentado
naquela calçada como se estivesse esperando um milagre. Talvez você
esteja. Das luzes, duas você ama mais que tudo. Uma dourada tão
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