Revista LiteraLivre 2ª Edição | Page 56

LiteraLivre nº 2 Lugares Marcados Juliana Ferraz Eu estava na fila do cinema quando ela entrou no meu campo de visão. Não tinha como não notá-la: o cabelo rosa choque chamava mais a atenção do que o extintor de incêndio. Sempre fui o tipo de pessoa mais discreta. Nunca quis chamar muita atenção. Pode-se entender então um certo constrangimento meu quando a garota ficou justamente ao meu lado com aquela cor que flamejava a cada passo que ela dava na minha direção. Ela estava com delineador nos olhos, muito bem passados. Batom cor de boca, mas os lábios eram carnudos. Esmalte negro. Estava com um uma saia jeans quase curta, uma camisa xadrez preto e vermelho e um coturno até à batata da perna. Exalava um certo ar de despretensão o que lhe deixava mais atraente. Fui percebendo que não era apenas o cabelo que me chamava atenção nela, mas sim os seus traços. Personalidade. Não trocara nenhuma palavra com ela, mas notava que ela tinha atitude. Qualidade rara nos dias enlatados de hoje em dia. Ela foi quem puxou papo comigo. - Essa fila já estava aqui há muito tempo? - Um pouco. Brasileiro é assim, né? Gosta de uma fila mesmo sabendo que o lugar é marcado. - Veio sozinha também? - Não. Estou esperando meu namorado. Ele chega daqui a pouco. Fico na fila porque ele é um dos tarados da fila. Ela riu. Me senti meio idiota com a piada, mas gostei do fato dela ter rido. - Se ele gosta tanto de uma fila, por que você tem que ficar no lugar dele? - Acho que faz parte de um relacionamento, uma das partes tem que ceder em alguma coisa. - Legal. E o que ele cede para você? - Finge que eu sou magra. Ela fez cara de quem não entendeu a piada. Expliquei. - Como eu não sou magra, ele finge que eu sou. Para eu me sentir bem comigo mesma. Só isso. - E daí que você não é magra? - Padrão estético de beleza ocidental. 50