Revista LiteraLivre 2ª Edição | Page 40

LiteraLivre nº 2 É Suave A Noite Sonia Regina Rocha Rodrigues Santos/SP _Nut, a deusa da noite, estende seu manto negro para proteger o sono dos homens. _Nut? _Nut, a deusa da noite, cobre seus filhos com esse magnífico manto estrelado. E enquanto minha tia falava, as últimas luzes do dia sumiram por trás da serra e escureceu. Era uma noite sem lua. Eu podia ouvir os vagalhões do mar e o farfalhar dos coqueiros soava mais alto. Milhares de sons apareciam com as trevas – sapos, corujas, mariposas em vôo. O mundo trocava as cores por sons. E a orquestração era magnífica. Pude sentir os cheiros, que, à noite, ficam mais intensos. Lírios, camélias, damas da noite...e eu quase podia provar o mar no sabor salgado da brisa. Ah! Como eu me sentia segura nos braços amorosos de Nut, que, nas minhas recordações, confunde-se com minha tia. Por isso eu andava confiantemente pela casa às escuras, se acordasse com sede durante a madrugada. Por isso também era eu que, quando faltava energia, subia as escadas sozinho e ia à despensa buscar velas e fósforos. _Tia, essa deusa Nut é de que país? _Egito, meu amor. _Aquele país das pirâmides e dos desertos? _E dos faraós. _Da Esfinge. _Das tempestades de areia. _Dos oásis. _Dos camelos. E assim os temores que eu nem chegava a sentir transformavam-se em exóticas maravilhas. Aprendi a amar a noite, e decifrar em seus cheiros e sons tão bem quanto nas cores e formas do dia. É por isso que durante as horas mais negras, eu prossigo como quem atravessa uma tempestade de areia no deserto, na certeza de que as tempestades passam, e há sempre um oásis um pouco mais adiante. 34