LiteraLivre nº 2
DOS AMORES DIVIDIDOS E MULTIPLICADOS
Regina Ruth Rincon Caires
Campinas/SP
Arroz, feijão, mexido de ovo e farofa de torresmo.
Tudo misturado, amassado. Isso era feito dia após dia, sempre nos
mesmos velhos e descascados pratos de ágate. Cada neto era servido
com
esse
manjar
dos
deuses,
carinhosamente
temperado
de
generosidade, doação, amor.
A avó compactava a comida no círculo central de cada prato, borrifava
algumas gotas de limão-cravo, e com a lateral do garfo fazia uma cruz
no centro, dividindo a porção em quatro partes. Dizia que cada parte era
dedicada a um dos quatro grandes amores da vida: mãe, pai, avó e avô.
E, comprometidos com esses amores, cada um de nós escolhia a parte
mais amada para iniciar a refeição. Quase sempre a sequência lógica
prevalecia: mãe, pai, avó e avô. Raras vezes essa harmonia era
quebrada, e quando isso acontecia nem precisava investigar: havia uma
surra atrelada a isso. Uma surra dada ou uma surra prometida. Se bem
que isso era muito particular. Se havia alguma inversão, ninguém
comentava. Acontecia dentro das cabecinhas. Sei que acontecia isso
porque inverti algumas vezes.
Enquanto comíamos, a avó, de longe, sempre atarefada com a lida da
casa, cautelosamente controlava a nossa alimentação. Era comum ouvir:
- Quem já comeu uma parte? Didi, você está sem fome? Lúcia, a comida
não está boa? Faltou sal?
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