LiteraLivre nº 2
Bentinho), mas colocando minha opinião de lado percebi o que tanto me
incomodava, o que me deixava inquieta durante todos esses anos com essa
história dentro de mim: o comportamento de Capitu e o machismo de
Bentinho. Sim, Bentinho e Machado de Assis colocaram todo o machismo do
século XIX nas costas de Capitu.
Capitu, desde que foi apresentada na história se mostrou dona de si mesma,
independente, segura. Essas características eram inaceitáveis naquela época e
em muitos lugares no século XXI também, absurdo não?
Por que uma mulher que é dona de si é vista como cigana oblíqua e
dissimulada? Por que sua independência e espontaneidade a fazem ser vista
com um certo mau caratismo? Por que Capitu foi tão julgada nos últimos 117
anos se tudo o que temos é olhar ciumento e irracional de Bentinho?
Por várias décadas Capitu foi considerada responsável pela desgraça emocional
do narrador (Bentinho). Foi declarada símbolo da mulher devassa, impostora.
Sério! É para ficar chocada como Capitu ainda é repudiada nos dias de hoje…
Machado de Assis traça o retrato feminino pelo olhar de um homem, que tem
em sua mente as duas mulheres de sua vida – a mãe e a esposa –
que
carregam dois conceitos bem simplistas: a santa e a infiel.
O autor joga com os valores culturais e sociais da época e a condição de
mulher é muito clara: ela está presa ao estabelecido. Porém, no discurso
reservado, no mais íntimo pensamento, as personagens questionam seus
papéis na sociedade e Capitu faz isso com maestria. Ela é a mulher que
transcende a simples esposa, mãe e mulher. Ela transpassa o estabelecido, ela
se emancipa e se cansa das obrigações sociais e familiares, ela se mantém
sempre ativa, é detentora da palavra, não se deixa subjugar e sua
espontaneidade a coloca em destaque. Capitu é a menina pobre que se
apaixona pelo vizinho rico e percebe logo as sutilezas das relações de favor,
por isso representa a mulher punida, a força ferida. É como sempre disseram,
a corda sempre arrebenta do lado mais fraco…
Mas nesse caso tenho minhas dúvidas, será que a corda arrebentou do lado de
Capitu? Afinal, até hoje ela é a personagem mais emblemática da literatura
brasileira, a mulher que preferiu a morte a revelar se cometeu ou não o
adultério. Ela é a anti-heroína com olhos de ressaca cassada e que representa
muitas mulheres de hoje, por isso Capitu sempre me cativou.
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