Revista LiteraLivre 2ª Edição | Page 108

LiteraLivre nº 2 Bentinho), mas colocando minha opinião de lado percebi o que tanto me incomodava, o que me deixava inquieta durante todos esses anos com essa história dentro de mim: o comportamento de Capitu e o machismo de Bentinho. Sim, Bentinho e Machado de Assis colocaram todo o machismo do século XIX nas costas de Capitu. Capitu, desde que foi apresentada na história se mostrou dona de si mesma, independente, segura. Essas características eram inaceitáveis naquela época e em muitos lugares no século XXI também, absurdo não? Por que uma mulher que é dona de si é vista como cigana oblíqua e dissimulada? Por que sua independência e espontaneidade a fazem ser vista com um certo mau caratismo? Por que Capitu foi tão julgada nos últimos 117 anos se tudo o que temos é olhar ciumento e irracional de Bentinho? Por várias décadas Capitu foi considerada responsável pela desgraça emocional do narrador (Bentinho). Foi declarada símbolo da mulher devassa, impostora. Sério! É para ficar chocada como Capitu ainda é repudiada nos dias de hoje… Machado de Assis traça o retrato feminino pelo olhar de um homem, que tem em sua mente as duas mulheres de sua vida – a mãe e a esposa – que carregam dois conceitos bem simplistas: a santa e a infiel. O autor joga com os valores culturais e sociais da época e a condição de mulher é muito clara: ela está presa ao estabelecido. Porém, no discurso reservado, no mais íntimo pensamento, as personagens questionam seus papéis na sociedade e Capitu faz isso com maestria. Ela é a mulher que transcende a simples esposa, mãe e mulher. Ela transpassa o estabelecido, ela se emancipa e se cansa das obrigações sociais e familiares, ela se mantém sempre ativa, é detentora da palavra, não se deixa subjugar e sua espontaneidade a coloca em destaque. Capitu é a menina pobre que se apaixona pelo vizinho rico e percebe logo as sutilezas das relações de favor, por isso representa a mulher punida, a força ferida. É como sempre disseram, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco… Mas nesse caso tenho minhas dúvidas, será que a corda arrebentou do lado de Capitu? Afinal, até hoje ela é a personagem mais emblemática da literatura brasileira, a mulher que preferiu a morte a revelar se cometeu ou não o adultério. Ela é a anti-heroína com olhos de ressaca cassada e que representa muitas mulheres de hoje, por isso Capitu sempre me cativou. http://www.leiturasecomidinhas.com.br 102