LiteraLivre nº 1
Lar
Regiane Folter - São Paulo-SP
Ser filha é a ocupação que eu mais desempenhei nessa vida. Por isso, acredito que é o
que sei fazer de melhor. É difícil para mim reconhecer talentos, já que sempre me senti
meio fora de lugar, uma peça do quebra-cabeça que nunca se encaixa, um sapato
pequeno demais para qualquer pé entrar. Sempre me senti meio mutante,
constantemente mudando de ideia, de sonhos, de profissão, como uma fênix que nunca
para de transformar-se em busca da forma perfeita. E embora ser filha seja minha
especialidade, minhas penas parecem que ficam melhor planando no céu do que no chão
conhecido da casa onde cresci.
Fotos de dias felizes me acompanham aonde quer que eu vá, embora eu saiba que
lembrar é como caminhar sobre o borde afiado de uma faca: sempre há uma chance de
que eu possa me cortar. Porque faz algum tempo que não volto pra casa, faz algum
tempo que não toco a campainha barulhenta porque sempre perco minhas chaves, faz
algum tempo que meu cachorro estabanado não pula em mim, uma feliz saudação canina
pela minha chegada. Cada pequeno desastre, cada festa de aniversário e tardes de
conversa jogada fora, cada almoço de domingo, cada momento estampado nos álbuns
que eu carrego na mala e no coração me fazem lembrar quem é parte de quem sou,
embora não estejam fisicamente comigo.
Ser filha é o que sou por mais tempo. Sou irmã há 23 anos. Melhor amiga há sete.
Namorada há quase dois. Mas a fênix dentro de mim se contorce, com vontade de voar, e
em muitos desses dias, meses e anos, eu não estive presente. Não estive com meu irmão
em seu aniversário de 18 anos. Não estava ao lado de minha mãe quando ela adoeceu.
Não vi minha melhor amiga terminar sua faculdade. Não pude cozinhar o prato preferido
do meu namorado na noite que ele quis. E as fotos risonhas me deixam marcas de culpa,
de saudade, de “o que poderia ter sido, mas não foi”, de “nunca mais será”. E eu me
pergunto como posso ser uma boa filha, uma boa irmã, como posso ser boa se não posso
estar sempre? E se estou sempre, como posso ser eu?
Algumas pessoas dizem que casa é um par de paredes, um quarto, uma cozinha, uma
sala, despesa cheia, santuário da família e dos bons costumes. Só que alguns outros
dizem que casa é onde seu coração se expande de felicidade, é onde você encontra
companhia e alento quando precisa descansar seus ossos. Dizem que casa não é só o
lugar onde você arruma a cama ao se levantar ou onde descansa a cabeça na hora de
dormir. Dizem que casa é estar com quem você ama. E, ao lado dessas pessoas, as
paredes se quebram em milhares de possibilidades e deixam de ser tão importantes. Eu
me lembro de todas as casas que tenho. Do colo da minha mãe. Da risada do meu irmão.
Da mesa grande do pátio da minha vó. Do quadrado compartilhado com meu namorado.
Dos abraços apertados da minha amiga. Das infinitas casas sem paredes que me
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