Revista LiteraLivre 19ª edição | Page 58

LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020 Claudio Marcio Fernandes São Paulo/SP Na Cinemateca O relógio digital na Sena Madureira mostrava 17:36. Faltavam vinte e quatro minutos para o início da sessão das 18 horas na Cinemateca. Tempo de sobra, eu já estava dobrando a esquina. Deparei-me com uma filmagem bem em frente à instituição. Parado em frente à entrada observei por alguns instantes toda a movimentação da equipe de filmagem. A cena se passava em um carro. Havia um casal jovem dentro dele. Um homem na casa dos quarenta e poucos anos falava com eles da janela do motorista. Supus tratar-se do diretor. Não conhecia. Então, meu orgulho ferido de roteirista frustrado começou a reclamar e eu entrei. Peguei o ingresso e fiquei perambulando pela área externa. Estávamos na metade do mês de junho, ou seja, metade do ano já havia se passado e todas as esperanças e expectativas que alimentei para aquele ano já haviam sido dizimadas. Àquela altura, deparar-me com uma filmagem parecia provocação. Apesar disto, não resisti e voltei à entrada. Um funcionário da Cinemateca estava parado na porta assistindo. - Luz forte, hein? - comentou, referindo-se aos refletores. Eu tentava acompanhar o que cada um fazia. Assistentes, técnicos, o rapaz que desviava o trânsito... Preparavam-se para rodar. O casal continuava no carro. O diretor(aquele era mesmo o diretor) dava instruções a outro ator fora do carro. Quando se afastou, a assistente de direção pediu silêncio à equipe. Todos prontos. Ação! O ator ia até a janela do motorista e dizia algo. O diretor dava instruções. Corta! O diretor trocou algumas palavras com o elenco. Rodaram outra tomada. E outra. E mais outra. Eu observava tudo aquilo com melancolia. Eu estava excluído. Eu queria fazer parte daquele mundo, sempre quis. Quatorze anos antes, cansado de ser apenas expectador, resolvi tornar-me parte integrante. Quantas tentativas, quantos sacrifícios, quantos absurdos cometi. O aperto em meu coração começou a ficar mais forte. Lembrei-me da sessão. Só então percebi que havia escurecido. O jeito era contentar-me com a Cinemateca. O filme já havia começado. Sai apressado dali. Virei o rosto para não ver mais nada do que acontecia em frente. Peguei a Sena Madureira. O relógio mostrava 18:39. [55]