LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
dores ou mais remédios) e uma bisavó. No instante que começa a ouvir o
barulho de outras crianças invadindo a casa, Raul resolve sair da toca.
Descia as escadas com um imenso prazer pululando no coração. Todas as
meias postas em cima da lareira, a pilha de presentes nomeados debaixo da
imensa árvore com bolas natalinas supercoloridas e uma grande estrela dourada
reluzente no topo (claro, que houve uma olhadela para saber se o maior presente
seria o dele). Muitos beijos e abraços foram trocados com tios e tias, embalados
por latidos do labrador matreiro que corria atrás de uma prima feia e ranhenta.
Na mesa de jantar, uma pequena réplica da árvore natalina foi colocada no
centro em conjunto com enfeites de pacotes de presente amarelos com fitas
vermelhas. Pratos com guardanapos cuidadosamente justaposto revelavam toda
a alegria e capricho da mãe e nenhum dedo do pai, pois, qualquer um que visse
o estado da garagem saberia que o lado paterno não é bom com finezas.
Um som se destaca na multidão, a mãe com passos duros e decididos
caminha até ele e diz:
― Filho, você está com a testa suja! Deixa a mãe limpar pra você.― em um
movimento extremamente automático, a mãe molha o polegar com um pouco de
cuspe e lustra a cabeça do moleque.
― Eca!!! Por que você faz isso? É nojento!― com a manga da blusa, ele
tenta tirar do corpo o quê o olfato escancara.
― Porque eu te amo!― diz a mãe dando um beijo na testa do filho.
Quando ia retribuir o afago, um estampido conhecido rompe o ar. Em um
dos morros do Rio de Janeiro, uma bala perdida leva a segunda mãe de Raul, só
que desta vez as mãos dele não ficaram sujas com sangue.
Ajoelhado, chora o menino.
Pela mãe de lata, no meio da ceia de alumínio vazio.
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