LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Ilana Sodré
Salvador/BA
Cisma
Beatriz olhou para os dois lados antes de atravessar a rua deserta e escura. As
mãos tremiam, agarrava com força a alça da bolsa. Era a primeira vez que
chegava tão tarde em casa desde que se mudara para o bairro. Sabia dos
rumores do homem que seguia garotas até suas casas para estuprá-las.
Caminhou mais rápido quando ouviu passos que não eram os seus ecoarem no
caminho tortuoso. Não se atreveu a olhar para trás e teve medo de correr, seus
joelhos estavam machucados de uma queda na rua. Para completar, estava nos
seus saltos mais finos.
Atrás de Beatriz o som dos passos continuava. Avistou a rua em que morava.
Assim que virasse a esquina poderia descer dos saltos e correr até sua casa.
Contou mentalmente “Um, dois, três...”. Tirou os sapatos e correu. O coração
estava aos pulos.
Chegou em seu portão tremendo, suor escorrendo por seu pescoço e banhando a
gola do vestido branco. Sentiu alívio ao abrir a porta de casa. Conseguia ouvir
seus batimentos cardíacos. Entrou, jogou os saltos no chão e tirou a chave de
trás da porta.
Empurrou a porta de casa e antes de conseguir trancá-la, o molho de chaves
escorregou de sua mão e caiu no chão da sala. Abaixou-se para pegar e ainda no
chão sentiu a porta ser empurrada, batendo com força em seu rosto. Caiu para
trás e viu o homem que sorria de forma asquerosa. Ele era estranho, com olhos
escuros, cabelos raspados, todos os dentes na boca e barba por fazer.
Ele catou o molho de chave do chão e se virou para trancar a porta. Bia se
arrastou pelo chão coberto de plástico transparente. O barulho do atrito do corpo
suado da mulher despertou a atenção do estuprador. Sua confusão surgiu quando
sentiu uma dor aguda lhe atingir a espinha. Caiu e foi chutado pela mulher, para
que os olhos dela fossem a última coisa que pudesse ver.
Compreendeu sua situação quando viu o sorriso satisfeito que se estendia pelos
lábios carnudos pintados de vermelho. Beatriz segurava um machado com a
lâmina impecavelmente afiada. O homem não teve para onde correr.
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