Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 69

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 “Eu era tão nova. Me lembro das moças se gabando dos moços que cortejavam elas. Planejavam o futuro, com certeza como as mães ensinavam. Como minha mãe me ensinou. Como minha avó ensinou a minha mãe.” Presença ativa em sua criação, Isabel ouviu muitas vezes a avó dizer para as moças, suas netas, que o futuro da mulher estava no pretendente dela. “Assim fui criada, na esperança de um bom futuro.” Passou a olhar fixamente para a imagem do rapaz ensimesmado, coisificado no papel semibrilhante. “A primeira vez que te vi, você estava roçando as terrinhas de papai. Não sei se foi coisa do destino, mas lá estava você, ajudando painho um dia, depois outro, e mais outros.” Mulato de porte atlético e olhar vivaz, Cipriano estampava no semblante marcas de uma experiência que ia além dos poucos vinte e dois anos já vividos. No auge da criatividade, Isabel deu início ao empenho na elaboração de pretexto para passar na roça sempre que voltava do colégio, desde o dia que vira lá o rapaz. “Tive certeza de ter encontrado meu futuro, o amor da minha vida. Confesso que era como nas novelas que eu, Leonora, Maria do Rosário e Maria Aparecida arrumava desculpas pra irmos assistir escondidas na casa de Jandira, vizinha que tinha ganhado a televisão do filho, que tinha ido tentar a sorte em São Paulo. Se painho descobrisse, eu e minhas irmãs estávamos perdidas. Ah, o dia que Leonora teve a infeliz ideia de dizer a painho que ele estaria mais informado sobre o resto do mundo se comprasse uma televisão pra casa.” Isabel lembrou-se que naquele dia, Leonora sentiu as costas da mão do pai beijar sua boca. Beijo rápido que deixava marcas demoradas. As mãos em questão, grandes e grossas, guardavam nas unhas um punhado de terra, que sua irmã provou o gosto naquele dia. O homem dizia que não admitiria ter dentro da casa dele um treco que ensinasse libertinagens. “Painho falava com tanto conhecimento que eu perguntava pra mim mesma como ele tinha tanta sabedoria sobre os ensinamentos da televisão. Rum! Perguntava só pra mim mesmo, pois jamais um filho ousou a questionar as ordens de painho, nem mesmo mainha. Eu também não queria correr o risco de experimentar o beijo da mão dele. E nunca experimentei.” Apoiou o álbum no colo e passou a observar o corpo. “Era o tal amor à primeira vista. Depois que você se declarou pra mim, eu contei pra mainha. Ela me disse que era pra eu fazer charme, pois assim, sem muita facilidade, você me valorizaria mais. Depois me disse que não era pra eu demorar demais em responder os seus galanteios. Ah, se painho sonhasse com isso! Você não era como os galãs das novelas, mas tinha seu charme. Meio bruto, mas charmoso. Eu era tão nova! Hoje penso que era tão nova. Também, como haveria de achar isso naquela época se era assim com as outras também? Tinha acabado de completar dezessete anos, quando você me trouxe a notícia. ‘Isabel, [66]