Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 60

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 — Com licença, senhor, você sabe o que aconteceu aqui? Não sei bem como explicar... Digo, pra onde foi todo mundo? — Você não tá sabendo, não? Achei que homens letrados sabiam das coisas. O morador de rua começou a rir, quase engasgou com o Doritos. A preocupação era tanta que Pedro nem se incomodou com o deboche. Só queria saber o que estava acontecendo. — Por favor, senhor, me diz o que houve. — Foi o apocalipse, rapaz. — Como? — O juízo final, o fim dos tempos, a hora da colheita. — Você pode, por favor, falar sério comigo? — Tô te falando, rapaz. Não ia ganhar nada mentindo. Só olhar em volta, todo mundo foi embora. O céu escureceu, desceu uns anjos, veio Deus, foram pegando todo mundo, alguns iam subindo direto pro céu, outros a terra se abria e a pessoa caía direto lá embaixo, numas labaredas de fogo. Pedro estava desacreditado. Não podia ser real o que o homem lhe dizia. Ao mesmo tempo, era uma explicação plausível pra situação que estava acontecendo. — E você, não foi levado pra lugar nenhum? — Olha, comigo veio um anjo falando que eu ia subir com ele, eu pedi pra ficar por aqui mesmo. Todo esse tempo um monte de gente me tratando que nem merda, eu só quero aproveitar a chance de ficar sozinho um pouquinho. Não quero ficar com essa gente não, nem que seja lá em cima. O anjo achou meio estranho, mas aí Deus falou que tudo bem. A primeira coisa que eu fiz quando todo mundo foi embora foi pegar esse Doritos. Tirei esse fone de ouvido firmeza de um playboy que tava indo pro inferno. Acho que lá não deve ter muito clima pra ouvir Bob Dylan mesmo. Enquanto ouvia, Pedro foi sentando na sarjeta, inconsolável, já começando a considerar que realmente aquilo havia acontecido. — Não é possível! Isso só pode ser uma piada de mal gosto. Enquanto eu tava no banheiro, eu teria percebido. — Olha, durou bem umas três, quatro horas, o processo todo. — Eu fiquei tudo isso no banheiro? Nossa, eu nem vi. Mas mesmo assim, não faz sentido. Quero dizer, eu deveria ter participado, não? Eu tô vivo também. — O que você ficou fazendo quatro horas no banheiro? — Ah… Eu tava… Bem, eu tava só enrolando, olhando as postagens das pessoas no celular. O homem permaneceu em silêncio, só encarando Pedro, com um olhar inquisidor. Se olharam por alguns minutos. Pedro então percebeu. — Você tá me dizendo que eu perdi o apocalipse porque eu tava distraído no celular? — Você provavelmente não é o único. daniloforlini.com [57]