Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 59

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Danilo Forlini Araraquara/SP Distraído Pedro sempre levava umas broncas no trabalho por demorar demais no banheiro, porque todo mundo sabia que ele ficava só olhando o celular. Ninguém precisa de tanto tempo assim pra usar o banheiro. O Pedro ficava meio puto, porque se ele precisa usar o banheiro é direito dele e foda-se, ninguém tem nada com isso. Mas no fundo ele se sentia meio culpado porque quase nunca ele realmente estava precisando mesmo. Na verdade, ele preferia usar o banheiro em casa, e no trabalho ele só entrava lá pra enrolar e observar a vida das pessoas passando pela tela do celular dele. De algum jeito fazia ele se sentir parte. Outro dia desses que ele já estava olhando o celular fazia bastante tempo, percebeu que pararam de vir atualizações, como se as pessoas tivessem parado de fazer novas postagens. Alfredo, filho da puta, deve ter desligado a internet da firma só pra me fazer sair do banheiro. Não, pera, a internet tá normal, não é isso, não. Pedro achou estranho, mas nada demais. Vira e mexe a internet trava mesmo. Saiu do banheiro, tudo silencioso. A repartição inteira vazia. Olhou no relógio, eram três da tarde ainda. Devem ter ido pra alguma reunião. Cacete, esqueci de alguma reunião importante. Andou pela empresa e continuou não encontrando ninguém. Todas as salas vazias. Mas os computadores ligados. Como se as pessoas tivessem parado o que estavam fazendo do nada por algum motivo e deixado tudo ali, aberto. Achou alguns cafés em cima das mesas. Todos frios. O que quer que tenha acontecido, já fazia um tempo. Pedro começou a ficar preocupado. Deve ter acontecido alguma coisa lá fora. Um acidente, algo do tipo. Todo mundo deve ter saído pra ver. Pegou o elevador, desceu. Saguão de entrada completamente vazio. Saiu na rua. Tudo silencioso. Tudo vazio. Alguns carros batidos, um poste no chão. Ao longe, alguns focos de incêndio, como se alguns acidentes ou explosões tivessem ocorrido, mas a maioria numa distância que não dava pra enxergar. Alguns carros parados no meio da rua. Todos vazios. Pedro começou a andar desesperado enquanto tentava ligar pra sua esposa. Ela não atendeu. Sua mãe também não atendeu, nem seu pai, nem sua irmã mais velha. Até pro Alfredo, o chefe idiota, Pedro tentou uma ligação. Nada. Depois de dois quarteirões andando pelo centro da cidade vazio, viu um morador de rua, deitado em cima de alguns jornais, comendo Doritos e escutando Bob Dylan tão alto no fone de ouvido que dava pra reconhecer o som mesmo sem estar perto dos fones. O homem viu Pedro se aproximando, achou estranho, abaixou o som e esperou. [56]