Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 40

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 C. de Castro Natal/RN Dos motivos Minha vida foi deixada sem um motivo aparente. Sem sonhos, sem aspirações, sem nenhuma razão para continuar. Não sei quem foi que a abandonou desse jeito — eu mesmo, talvez, por que não? Também não sei qual é o “jeito” que minha vida está. Possivelmente é mais fácil falar do que tenho certeza. Tenho certeza de que tudo (deveria ter) tem um ponto. E às vezes pode ser difícil (muito difícil) enxergá-lo, mas ele sempre estará presente. Tenho certeza de que não acho meu ponto, embora não saiba o porquê, ou se algum dia acharei — tenho ao menos um palpite: ignorei por tempo de mais a sua ausência e quando dei por mim, não tinha como vê-lo. Minha última certeza é a de que faço as exatas mesmas coisas todos os dias. Não sei como me sinto sobre isso, de fato, mas diariamente eu falto escola e fujo, às vezes sem destino. Acabo num parque abandonado qualquer, para (ficar sozinho, isolado) sentar-me num balanço, escutar música e esperar o tempo passar. Volto para casa, (nem sempre) como, assisto a filmes ruins e depois saio para (beber) uma festa que eu arranje. Mesmo na festa, não falo com quase ninguém (não quero). Acabo sem amigos, óbvio. Tomo cuidado para não deixar ninguém se aproximar. Inevitavelmente, falo com uma pessoa ou duas, só não por muito tempo. Sinceramente, não sei se deveria. A vida individual parece ser tão mais fácil que a coletiva: afinal, nela não há relacionamentos em crise, nem corações partidos. Na prática, não o é. Lota-se de noites solitárias, mesmo quando há alguém por perto. Talvez seja isso que eu queira da minha vida, afinal: horas solitárias gastas com nada, coisas vagas. Certamente, não me levaria a futuro algum; mas não tenho certeza se quero um. Imerso nesses devaneios, encaro-me no espelho. Meus olhos parecem vazios. Balanço minha cabeça, saio do banheiro, e enfio qualquer roupa. Vou atrás de uma festa novamente — última vez, quem sabe, antes de procurar coisas com um ponto. Hoje é um clube novo, para onde uma colega minha sempre vai (sinceramente, não sei nem o nome dela). Ela me falou que estaria lá hoje; mas não sei se quero encontrá-la. [37]