LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Angelita era cuidada pela irmã e pela prostituta. Revezavam-se nos
cuidados com a mãe e com a filha. A menina recebeu o nome de Lenita, e
quando completou um ano, a mãe sucumbiu. Não resistiu ao mal.
Carminda ficou com a menina e cuidava dela como se fosse sua filha. Era
tanto amor, tanto carinho, tanto desvelo. Quando a tomava nos braços, sentia
que o coração que batia ali era também de Angelita.
Samir assistira a tudo, distante. Como sofreu com a morte de Angelita! E
não escondeu. Conversava longas horas sobre isso com Carminda. Afeiçoou-se à
menina, sentia-se próximo. E a criança retribuía. A convivência, intensificada dia
a dia, foi trazendo uma sensação de família, de aconchego. Não seria possível
dizer que entre eles havia um sentimento arrebatador, mas havia amor, algum
tipo de amor. E assim, os dois passaram a viver juntos. Os três. Na casa, os
móveis eram de caixotes. Os vestidos da menina, mesmo feitos de sacos de
farinha, eram lindamente bordados. Lenita tinha beleza angelical. Amada, muito
amada.
A mãe de Samir, comerciante de roupas e calçados, ofereceu parceria em
uma filial que seria aberta numa cidade próxima. E foi um sucesso. Os dois,
numa união serena, cheia de carinho, de respeito, conceberam um casal de
filhos. Eram três riquezas. Lenita herdou o amor pelos livros, lembrava a mãe.
Aliás, era a figura da mãe. A mesma beleza, a mesma altivez, a mesma força.
Meiga, agradecida. Casou-se e foi imensamente feliz... Assim como os outros
filhos.
Samir e Carminda mudaram de ramo. Adquiriram a hospedaria e moravam
ao lado, parede-meia. Ela continuou com o trabalho das agulhas, uma artista. Lia
vorazmente. Era serena...
- Já é tarde, a noite está fria, vamos entrar... – Sente a mão delicada de
Samir pousar em seu rosto, com a mesma suavidade da vida toda. Foi feliz, é
feliz...
Amparada pelos braços do parceiro, caminha em direção à porta. A noite
está realmente fria. Sente-se exausta. Sabe que é chegada a hora de
descansar...
[175]