Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 12

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Ela apenas piscava. Perguntei se tinha fome. Piscava. Sede. Piscava. Entrei em uma prolongada e indistinta forma de comunicação. Eu não sabia decifrar a linguagem emitida pela óptica materna, que tantas vezes soube de minhas necessidades somente através do olhar. Pânico. “Tenha calma Naná, tudo vai terminar bem”, foi tudo que consegui dizer depois de um prolongado abraço. Comprei cartolinas. Desenhei letras gigantes. Cortei. Formei o alfabeto. Expliquei para mamãe que piscasse o olho em cada letra que fosse necessária para a formação das palavras. Ainda lembro a primeira frase que Naná formou. "Obrigado por tudo, meu menino". Essa frase me arrebatou. Imaginei que minha mãe queria fazer mil interrogações, mas simplesmente disparou sua mensagem de agradecimento. Vi uma lágrima escorrer por sua face. Depois do mecanismo das letras na cartolina, estabelecemos outra estratégia: a quantidade das piscadelas. Se piscasse o olho uma vez, estava pedindo água. Duas vezes, banho. Três vezes, comida. Notamos que era mais prático. E assim fomos estabelecendo códigos. Quando, por exemplo, ela não gostava de uma visita, o seu olho ficava fechado de maneira permanente. Eu nem insistia. Passei a conhecer as artimanhas de mamãe através de seu olho direito. Todo dia era o mesmo ritual. Eu pegava as letras e passava uma por uma. Mamãe expressava qual rotina deveria ser estabelecida. Tinha dias que ela queria assistir televisão. Outras vezes ficava lendo. O olho piscava a cada página lida. E eu acompanhava todas as narrativas que ela consumia. Ficamos muito tempo nesse ritmo. Eternizamos lembranças durante vinte e dois anos. O dia de seu aniversário, por exemplo, era o momento mais esperado. Eu sempre comprava bolo, balão e velas. Convidava os amigos. Essas festividades aconteciam de forma permanente. Aniversário, natal, passagem de ano. Naná adorava festas. Nem mesmo a prisão corporal conseguiu roubar seu convívio com os amigos do peito. Nossa casa não tinha espaço para solidão. Em um determinado dia, contrariando o universo festivo do nosso lar, a residência estava bastante silenciosa. Naná piscou o olho várias vezes. A frase formada foi desanimadora. Pedia socorro. Coloquei seu corpo sobre minhas costas mais uma vez. Já dentro do carro, ela resfolegava, gemia, uivava. A única [9]