Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 112

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Joedyr Bellas São Gonçalo/RJ Os passos de Nica Eram tantos os passos que Nica não sabia mais o que fazer com eles. Da cadeira de balanço agora via o mundo caminhar e a vida suavemente ir balançando conforme o vento. Suavemente, Nica não sabia se era bem essa palavra. Nunca fora bom com as palavras. Diante de uma mulher em um encontro, não sabia o que dizer. Saber até sabia. O problema era a gagueira, sem ser gago, e a tremedeira nas mãos. Tremia tanto, tremia de esconder as mãos no bolso da calça e nada surtir efeito. As mãos não paravam de tremer e numa combinação macabra, numa conspiração física, todo corpo começava a tremer. Eram as mãos levando todo o corpo para uma dança estranha, uma dança que ele não controlava. Sequer dançava. Um amigo do Nica, uma vez o aconselhou a marcar encontro com as mulheres numa boate. Meia-luz, todo mundo dançando e ele podia se misturar aos pares e dançar coletivamente. Que nada. Era só a tremedeira sem sair do lugar. Resolveu não mais marcar encontro com ninguém. Era a vida de Nica e seus passos. Miúdos. Não tinha pressa para chegar a lugar nenhum, não havia nenhum lugar. Era o mundo. Dizia ele. É o mundo e os passos e o andar e a caminhada e a travessia. Tremia diante das mulheres, mas amava as mulheres, como as mulheres também o amavam. Não por pena, não por qualquer interesse que fosse. Amavam o Nica pelos passos de Nica. Era o gingado, era um pisar sem cessar. Conhecia países. Andado, viajado. Conhecia aldeias e vilarejos. Comia a comida de cada lugar passando sem reclamar, sem fazer cara feia, e elogiava. Qualquer elogio. As palavras, quando o Nica não tinha compromisso, quando estava no caminho da estrada, as palavras surgiam por elas mesmas, Nica se surpreendia, mas não queria entender o que acontecia. Achava que tudo tinha um motivo mesmo que não houvesse motivo algum. Os motivos davam em árvores feito jaca, feito jabuticaba, feito manga rosa, feito um caju espremido na cachaça, que ele tragava espontaneamente sem mostrar a [109]