LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
— Tás louco, pai. HELP! Que conversa é essa? Essa voz do telemóvel são só
gravações. Não é nenhum sábio, nenhum deus — gritava Isaac, tentando ganhar
tempo como única saída do labirinto do medo. — Os primitivos é que
sacrificavam animais e pessoas. Pensavam que assim tinham mais caça ou
colheitas. Estamos no século XXI, pai!
— Não quero ouvir mais tretas desta sociedade que não respeita os valores
da tradição e da família — ripostou Abraão, enquanto arrastava o filho para junto
da fogueira que já ardia bem. Tolheu-lhe os movimentos e dobrou-lhe o pescoço
sobre a parte mais lisa da pedra.
Nesse momento, ouviu-se o sibilar característico de um drone, que deu
uma volta larga, mas rápida, sobre os penhascos da Peninha. Era de tipo
octogonal, tinha envergadura de um metro e apresentava câmaras e vários
outros instrumentos apontados para baixo. Um altifalante berrou:
«Largue a criança. Já!»
Abraão não esperava esta interferência. Tentou prosseguir. O altifalante do
drone, que agora pairava a uns quinze metros sobre o grupo, voltou à carga:
«Pare já ou disparamos!»
— Larga-me, pai! Cuidado! Eles disparam! — gritou Isaac.
Abraão levantou a faca, mas, antes de desferir o golpe fatal no pescoço de
Isaac, foi atingido por um dardo junto à clavícula. O efeito do entorpecente foi
imediato. Deixou cair a faca, oscilou uns segundos e afundou-se no chão
pedregoso. Isaac afastou-se do volume do pai, aliviado, mas meio confuso.
Chegou-se à beira do rochedo e espreitou lá para baixo, tentando localizar o
smartphone. Quinze minutos depois, chegou a Polícia e o Socorro médico. Duas
estações televisivas de atualidade criminal chegaram logo a seguir.
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