LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
chapa, ouvia de suas companheiras as mais variadas convicções sobre o trabalho
que exerciam. Ela sabia que o modo como enxergavam a profissão e a si mesmas
não era um consenso, e que, embora fossem mulheres parecidas ao cair da
noite, ao nascer do sol possuíam histórias distintas; e em seu coração de menina
ainda morava o trauma da infância.
Todos as madrugadas, antes que os primeiros braços do sol a alcançassem,
deixava o ponto, encontrava o cáften, entregava a ele boa parte do recebido na
noite e, muitas vezes, apanhava por não ter trabalhado o bastante. Pegava sua
parte, contornava o morro e entrava no quartinho que ele lhe cedeu, com os
alimentos e roupas que ele lhe arranjava, e que aparentemente ela nunca
terminaria de pagar. Então, em sua cama, olhava para o teto, seu cúmplice
sempre que estava entre quatro paredes, e pedia a si mesma para chorar, mas
não chorava. Há muito suas lágrimas haviam secado naquele barraco em que
vivera a infância, sobre aquele colchão embolorado, sob aquele homem que lhe
pedia para chamá-lo de pai.
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