Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 117

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Juliana Bombardelli Sapucaia do Sul/RS O Mal em Algodão Eu morei na rua Rio Branco dos meus 6 à 15 anos, já faz algum tempo que eu saí de lá, e sinceramente, não sinto falta alguma. Eu não gosto da minha infância, porém ela simplesmente não sai da minha cabeça, mas o que não sai também, foram as experiências um pouco anormais que eu sofri na casa 306 da rua Rio Branco. Sempre fui uma criança um pouco... precoce, comecei a me masturbar com 8 anos e desde então fui adquirindo um vício anormal por aquele prazer, achava várias maneiras de me satisfazer, com revistas, esponjas, e tudo o que uma criança de 8 anos pode ter acesso, mesmo que escondido. A casa 306 não foi sempre nossa, e isso ficou explícito quando encontramos uma porção de bonecos, a maioria com alguns traços feitos à mão, no sótão da casa, pois era um casarão antigo, e era o orçamento que nos cabia, mas os bonecos, ah... esses bonecos, sempre me davam um arrepio na espinha por causa da semelhança com humanos, eles eram muito bem-feitos, se me perguntassem eu diria que eram crianças e bebês que foram empalhados e deixados ali pra morrerem sufocados na poeira. Minha família decidiu deixar esses moradores estranhos ali mesmo, não tínhamos pra onde levar, apenas jogamos um lençol por cima e tentamos esquecer da existência deles, o que não era tão fácil, até hoje eu não esqueço de suas expressões... Todas as noites eu ouvia passos no sótão, rápidos e sagazes, do meu quarto aquele barulho ficava ensurdecedor, eu acordava meus pais quase toda noite pra reclamar, e eu não podia ignorar o medo nos olhos deles quando me falavam pra apenas voltar a dormir e ignorar aquilo que então o barulho iria parar, porque provavelmente eram apenas ratos, e muitas vezes funcionava, mas outras, apenas aumentava o som dos passos, eu e minha família queríamos acreditar muito que eram apenas ratos. Criança tem uma coragem e uma curiosidade as vezes que não dá a escolha de ter medo, um dia em uma das brincadeiras sexuais comigo mesmo, tive a ideia de subir até o sótão e trazer um dos bonecos pro meu quarto, esse boneco tinha roupa de cozinheiro, e tinha em seu avental uma frase dizendo: Bom apetite, amiguinho! Esse era um dos que davam menos medo. Eu queria me aventurar, eu tinha curiosidade, coloquei o boneco de bruços no meu colchão, [114]