Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 97

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 Já o procurei nas bolas do futebol que eu nunca soube jogar bem, em acordes de violões que em vão tentei tocar, nas frestas entre os desamparos que vivem a me perseguir. Tentei achá-lo nos silêncios que tive de escutar, em barulhos que eu quis calar, nos tantos becos e ruas e cidades e idiomas por onde andei, em brigas tidas ou evitadas, nas incontáveis madrugadas que varei, e até bem no fundo da saudade que nunca me sai do peito. Pensei que seria possível descobri-lo na negação das minhas possibilidades e na afirmação das minhas incapacidades, na exaltação que sempre fiz dos meus muitos defeitos ou no encobrimento das poucas qualidades que eu possa ter. Já quis dar de cara com ele, sei lá, em pleno pessimismo que me guia e até na veia da timidez que me protege. Na alegria e no desamor. Assim como em incontáveis bares que frequentei para ver se podia ser como ele – mas, sobretudo, diferente dele. Também o busquei no que havia de sabedoria nos meus amigos mais jovens e na porção menos experiente dos meus amigos mais velhos. Noutros pais, conhecidos e desconhecidos de toda sorte. Em livros, discos, professores, atores, e até nos ídolos que não tenho mais. No meu avô. Na minha mãe. No meu irmão. Na minha avó. Na minha filha. Em Deus. Encontrei não. Pode ser que um dia eu precise procurá-lo no onde-quando mais quero esquecer que ele existe: no pai que tenho sido – ou tentado ser. E pode ser que me surpreenda com a sua presença justo nessa prateleira, em algum corredor da minha alma. Sem preço, marca ou validade. Apenas alojado nesse lugar de mim em que luto com mais ardor para ser tudo o que ele não foi, não é. 94