Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 92

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 A sala ainda estava animada. Gente ria e contava casos, mas o ambiente não era de festa. Sei lá. Tinha algo estranho pairando no ar. Olhei para fora através da janela. O clima de fato estranhava. Tempo nublado, quente, abafado. Era prenúncio de algo muito ruim. Tive medo e o coração disparou. As vozes alteraram, ouvi gritos e mais gritos. Minha irmã estava ainda mais em frangalhos. Meu coração doeu. Gritei pedindo explicação. Ninguém se interessou em me responder. Fiquei com raiva e gritei mais alto ainda. Não adiantou nadinha. Resolveram me ignorar. Ninguém mais ria, nem brincava, nem contava casos. Tudo era dor ou compaixão. Vi algo de madeira trabalhada, ao fundo. Senti um frio na espinha. Não podia acreditar! Só agora pude notar que se tratava de um velório. Talvez fosse de meu pai, haja vista não tê-lo visto até então. Não era um homem próximo, contudo uma lágrima quis escorrer do meu olho esquerdo. Contive-me, mesmo não estando nada bem. Olhei mais uma vez para o caixão, de longe. Fui chegando mais perto. Meu pai se encontrava ao lado de um amigo. Então não foi ele! Estava vivinho da silva! Bateu saudade de meus irmãos, o Gustavo e a Amanda, meus sobrinhos, meus avós, meus familiares todos. Dormi tanto que nem havia me dado conta do falecimento de ninguém. Com certeza fui dopado! Fui andando lentamente e amedrontado. Minha namorada não se encontrava ali. Senti saudades enormes dela. Havia muito amor em mim e eu a queria ao meu lado, naquele momento horripilante. Cheguei ao lado do caixão. Não notei nada nem ninguém. Meus olhos já estavam fechados há tempos. Fui os abrindo lentamente, com medo de descobrir a verdade. Passou um filme em minha cabeça. Vi meus familiares se reunindo nos Natais de nossas vidas, vi festas animadas, vi tanta coisa! Mas faltava alguém. Abri os olhos para ter certeza do que minha imaginação dizia. Não era possível! Era simplesmente inacreditável e estarrecedor. Jazia no caixão aquele corpo magro, quase perfeito, aqueles olhos mateiros fechados, aquele semblante másculo e angelical ao mesmo tempo. Parecia dormindo, descansando lindamente. Parecia não saber de nada do que estava acontecendo. Alguém disse que foi um acidente e que o motorista e sua 89