Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 89

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 — Desde já, entristece-me, Majestade, pensar na possibilidade de que, aquele em quem depositamos nossas esperanças, tornou-se nosso algoz. Dói-me menos a barriga vazia que tomar ciência de que vossos banquetes sejam regados pela nossa fome; que vossa gula se alimente da nossa carência; que o que sobre em vossa mesa, nos falte; que, daquilo que Vossa Majestade esbanje, nos restem não mais que migalhas; que vosso deleite seja nossa dor. Acreditava eu que, sendo o imperador homem tão justo, reconheceria as próprias falhas e repararia os malfeitos. De seu lado, Sua Majestade não desviou o olhar, tampouco me interrompeu uma única vez. Seu semblante conservava-se sereno o tempo todo. Após ouvir meu desabafo, chamou a guarda e voltou a me escutar: aos berros, eu clamava que cessassem em mim aquela horrenda tortura, em vão. Implorei que, ao menos, meus carrascos abreviassem minha dor e me matassem sem demora, mas eles não me deram ouvidos. Não bastassem os socos e pontapés por todo o corpo, por fim, cortaram- me a língua. Minha boca já não articulava palavra alguma: agora, eu era, tão só, medo, sangue e dor. Como bom ouvinte que sempre fora, o imperador ouvia tudo de perto. Ouviu-me até o fim. Até meu fim, foi todo ouvidos. https://www.facebook.com/artedealdenorpimentel 86