Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 230

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 Uma marmita para o coração Junio Silva Brasília/DF Para entender aquilo como uma declaração de amor era preciso tirar da cabeça qualquer idéia do que dizem ser romantismo. Não era de se esperar coisa diferente daquele homem de quase dois metros de altura, barriga saliente, voz alta e mansa, de passadas largas que percorria a rua com uma marmita na mão. “Tô indo ali levar uma marmita pra vê se a nega vêa come. Ela tá ruim”. Apelidado pela rapaziada de Dedé, André era parte daqueles que não tiveram uma vida com aroma floral. Do primeiro casamento restou apenas uma ex-mulher, cansada das tendências do marido à bebida, virações, brigas e bares, além de dois filhos, um deles preso no mundo do crime; outro repudiando a maioria das atitudes do pai. Quando não estava na área, conversando com um e outro, fazia bicos e improvisava como podia sua sobrevivência. Desde um teto para se proteger, até a comida do dia. Rosto angelical, apesar da vida que levava, língua afiada, impulsiva e fogosa. Ninguém mexesse com aquela maranhense que boa resposta não levaria. Namoradeira e fogosa conseguia ludibriar os homens e namorá-los sem que um descobrisse a existência do outro. Raro era vê-la sem ao menos dois casos numa mesma época. Pequena, referência à sua estatura, mas batizada como Josefina, via os efeitos do abuso de álcool em seu corpo. Pela terceira vez estava com infecção nos rins, agora a derrubando de vera. Copo sujo, gritaria, jogatina, viração, bebida. Suas vidas se cruzaram em um desses cenários. No início tesão, findando em algo que mais tinha a ver com as coisas do coração. Embriagavam se juntos, ou separados, e a noite terminava em uma cama. Mas aquilo não parecia dar em boa coisa. O modo de viver que os dois levavam não os ajudou no amor. Ainda que fossem bons companheiros e tivessem hábitos e ideias semelhantes. Dedé, apesar da aparência ríspida, era um grande sentimental, principalmente com umas na cabeça. Não tardou para o ciúme aparecer na relação entre os dois, devido às aventuras da morena com outros. Já ela, de espírito livre, entediava-se com as atitudes que o homem tomava nessas situações. Brigar, embriagar-se ou arrumar qualquer burburinho. Quase como pirraça, afronta, não hesitava em esconder suas aventuras, e contribuir para estampar na testa do homem, e no entendimento de todos, um par de chifres. 227