LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Uma marmita para o coração
Junio Silva
Brasília/DF
Para entender aquilo como uma declaração de amor era preciso tirar da
cabeça qualquer idéia do que dizem ser romantismo. Não era de se esperar coisa
diferente daquele homem de quase dois metros de altura, barriga saliente, voz
alta e mansa, de passadas largas que percorria a rua com uma marmita na mão.
“Tô indo ali levar uma marmita pra vê se a nega vêa come. Ela tá ruim”.
Apelidado pela rapaziada de Dedé, André era parte daqueles que não
tiveram uma vida com aroma floral. Do primeiro casamento restou apenas uma
ex-mulher, cansada das tendências do marido à bebida, virações, brigas e bares,
além de dois filhos, um deles preso no mundo do crime; outro repudiando a
maioria das atitudes do pai. Quando não estava na área, conversando com um e
outro, fazia bicos e improvisava como podia sua sobrevivência. Desde um teto
para se proteger, até a comida do dia.
Rosto angelical, apesar da vida que levava, língua afiada, impulsiva e
fogosa. Ninguém mexesse com aquela maranhense que boa resposta não levaria.
Namoradeira e fogosa conseguia ludibriar os homens e namorá-los sem que um
descobrisse a existência do outro. Raro era vê-la sem ao menos dois casos numa
mesma época. Pequena, referência à sua estatura, mas batizada como Josefina,
via os efeitos do abuso de álcool em seu corpo. Pela terceira vez estava com
infecção nos rins, agora a derrubando de vera.
Copo sujo, gritaria, jogatina, viração, bebida. Suas vidas se cruzaram em
um desses cenários. No início tesão, findando em algo que mais tinha a ver com
as coisas do coração.
Embriagavam se juntos, ou separados, e a noite terminava em uma cama.
Mas aquilo não parecia dar em boa coisa.
O modo de viver que os dois levavam não os ajudou no amor. Ainda que
fossem bons companheiros e tivessem hábitos e ideias semelhantes.
Dedé, apesar da aparência ríspida, era um grande sentimental,
principalmente com umas na cabeça. Não tardou para o ciúme aparecer na
relação entre os dois, devido às aventuras da morena com outros. Já ela, de
espírito livre, entediava-se com as atitudes que o homem tomava nessas
situações. Brigar, embriagar-se ou arrumar qualquer burburinho. Quase como
pirraça, afronta, não hesitava em esconder suas aventuras, e contribuir para
estampar na testa do homem, e no entendimento de todos, um par de chifres.
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