Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 23

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 A Sílfde Tácito Cortes de Carvalho e Silva Presidente Venceslau/SP Como de costume, todas as tardes, Floriano, em mangas de camisa, se postava diante da janela que dava para a ladeira e ficava a observar o movimento da rua: os estivadores que subiam do cais só de calção e chinelos e paravam no bar da esquina, as beatas que se dirigiam com seus véus negros para a igreja no alto da colina e as crianças que brincavam pelas calçadas. O homem, magro, maduro, optara por viver ali, naquele canto de mundo. O câncer de próstata diagnosticado há pouco tempo e tratado com cirurgia e injeções de hormônios lhe trouxeram um certo amargor e sensação de impotência. No lusco fusco da tarde fazia-lhe bem o painel visto de sua janela e o ruído do mar e dos trapiches, trazido pelo vento, era música a seus ouvidos. Mas, além de tudo, Floriano esperava pela garota de bicicleta que descia devagar pelo caminho de pedras com os cabelos a esvoaçar ao sabor do vento, magra e esguia, vestida com jeans e tênis branco. Uma sílfide. E ela vinha todos os dias ao cair do sol e parava bem em frente à janela, sacudia as madeixas encaracoladas, olhava para ele e através dele ... Seu olhar era como um convite para reviver momentos doces e prazerosos de sua juventude; lembrar-se da juventude era bálsamo para Floriano: exímio violonista, bom cantor, moreno estilo galã latino, arrebatava os corações das moçoilas de sua época. No entanto, casou cedo e, então, começou seu sofrimento. A esposa estéril e doentia não pode lhe dar filhos. Na rua procurou algumas amantes, mas infelizmente não se adaptou a nenhuma. Eram mulheres mais interessadas em seu bom salário de oficial de justiça o que o levou ao ato descontrolado da agressão que o conduziu à prisão. Ao sair em liberdade procurou o isolamento. O cais parecia lhe dar vida. O barulho das ondas, o cheiro dos peixes misturado com o do óleo das barcaças, o falatório dos marinheiros e pescadores, o vai e vem das prostitutas ganhando a vida, tudo lhe dava a sensação de estar vivendo e isto, para ele, era essencial. Na verdade, pela manhã, costumava andar à beira mar e “viajava” em seus pensamentos para lugares distantes e paradisíacos. Após longa caminhada parava no bar da esquina para tomar um pingado com pão e manteiga e se permitia um dedo de prosa com o turco, dono do boteco. E o turco lhe punha a par das notícias do lugar: contava-lhe com detalhes sobre a vida de cada um dos moradores daquelas redondezas, os que eram gente boa e os malandros, as mulheres que traiam os maridos, os moleques que já trilhavam o caminho do banditismo, as prostitutas e suas brigas, os marinheiros e os estivadores com suas lutas ... Contava - lhe 20