LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Prata da Casa
Roman Lopes
São Paulo/SP
O fluxo do vermelho interrompido, transformando transeuntes incógnitos
em espectadores possíveis… Nessa breve pausa em que o tempo parece dar um
descanso aos viventes, aparece o bailarino de prata, que cresce até alturas
inimagináveis, para que todas as pessoas que habitam as pequenas cápsulas de
cortar espaços possam apreciar sua dança de fogo… Fogo e prata se misturam,
em uma dança de archotes arriscados, que riscam o ar, soltando fumaça de prata
e cheiro de enxofre… O bailarino, impassível, executa uma coreografia criada pela
dor e pelo abandono… Coreografia social de uma escada inacessível, mas que
continua sendo sonhada… Coreografia entremeada de olhares cabisbaixos e
sorrisos altivos…
Cessa a dança, o fogo se extingue… O bailarino de prata retorna de seu voo
momentâneo para desfilar entre os estreitos corredores perigosos, sob o risco de
duas rodas desatentas ou impacientes… Chapéu preto-prata nas mãos, ele
caminha entre os ocupantes ocasionais daquele espaço e vê, como gotas de
alívio, pingos monetários molharem a face externa de sua cabeça de prata…
Algumas prateadas, como sua própria condição… Outras douradas, para lembrar-
lhe que ainda existem conquistas maiores… Mas o desfile é efêmero…
O fluxo é retomado, agora colorido pelo verde da esperança que se vai…
Esperança de mais água, para minimamente aplacar a sede dos que dependem
de sua dança… Como um exímio centroavante, ele dribla as rodas que começam
a carimbar o asfalto, desprezando sua presença em nome do que é considerado
mais importante… O pão de cada dia, a escola da família, o lazer necessário e
merecido, a jornada patrimonial… Tudo de que precisa um cidadão respeitável… O
bailarino de prata é um hiato de exceção aceitável, importante para que todos
possam expiar suas culpas ególatras… Afinal, são apenas parcos segundos de
coexistência forçada… A vida segue e os transeuntes abandonam a plateia…
Um rápido intervalo para o bailarino reacender a chama e abrir novamente
as asas de seu voo fugidio… A alternância das cores ilumina sua dança… Segundo
ato, que reencena o primeiro… Os espectadores são os mesmos outros que o
acaso colocou diante dele… Acaso talvez infeliz para ele e certamente infeliz para
os espectadores, que quase não enxergam o gigante voador que dança
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