LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
grande multidão neurastênica; gente cantando e gritando, muita gente pulando
atrás de uma máscara. Também guardava na memória os sorrisos artificiais do
coletivo de pessoas eufóricas e suadas de tanto pular. As vozes em tom
excessivamente alto agora doíam em seus ouvidos, lágrimas rolavam nas faces
ao ritmo do samba. Muitos batiam os pés, outros balanceavam o corpo, outros
sacudiam as mãos. No meio daquele turbilhão de pessoas que dançavam
redemoinhando o homem via a si mesmo, extraordinariamente se divertindo,
diante das mulatas seminuas que arfavam os peitos seminus à sua frente. Elas
pareciam rir tanto que os seus seios cresciam imperceptivelmente com o fluir e o
refluir da respiração. Três dias e três noites foram suficientes para esquecer a
mulher que reclamava copiosamente, o filho já doente por causa da fome. Pelo
menos, durante o carnaval, poderia gritar e dar altas gargalhadas e ninguém se
importaria com isso.
Era bem de manhãzinha e uma tonalidade pouco fúlgida ameaçava
misturar-se aos fantoches ambulantes que caminhavam pela avenida. Os
fantoches, pelo menos, são versáteis e espontâneos, ao contrário dos seres
mortos vivos que caminhavam em direção à suas casas. O mundo parecia-lhes
pequeno, diante do oceano de problemas que se transformaram num enorme
salão de pandemônios. Milhares de pessoas estão voltando dessa festa. Alguns se
fantasiaram de presidentes e houve até quem se vestisse de ministro do
carnaval.
Era bem de manhãzinha e vi descer aquele homem ziguezagueante que
carregava uma taça quebrada em uma das mãos. Parei, por um instante, para
fitá-lo até desaparecer na última esquina. Quantos, na mesma situação,
dobrariam aquele canto do cruzamento da avenida como fuga da tétrica
realidade. Ao tentarem conciliar o sono, ouviriam apenas as vozes grugulejantes
de uma criança e irritadiça de uma mulher rixosa.
Texto vencedor do 2º lugar no 1º Concurso Literário do Clube de Funcionários da CSN
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