LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
O homem e o carnaval
Lourildo Costa
Volta Redonda/RJ
Era bem de manhãzinha. As pessoas ainda dormiam dentro de suas casas,
enquanto os primeiros ônibus vomitavam foliões que chegavam fatigados por
virarem a noite nas folias do carnaval. Olhos modorrentos estampavam os rostos
bem poucos aformoseados da gente que passou a noite na farra e na folia. Eram
caras cobertas pelos véus da licenciosidade e da pândega. Os passageiros
desciam ziguezagueantemente à procura de abrigo. Será que alguns se
lembrariam da casa que deixaram na noite anterior, do filho carente de pão e da
mulher que necessita de carinho?
Os veículos de comunicação de massa já traziam as primeiras notícias que
precederam aquela quarta-feira de cinzas. A vida carnavalesca é cheia de
diversões, de folias e de folguedos. Todavia, depois da festança, aparecem as
prestações atrasadas e o minguado salário que ficou reduzido a quase nada
durante as noites de folgança ruidosa. Muitos, talvez, não conciliassem o sono,
devido os gritos da mulher que clamava por um pedaço de pão para o filho
faminto. O homem, ainda em estado de sonolência, colocaria a culpa na inflação
que corrói as economias de cada dia. A mulher acabaria concordando com o
marido recém-chegado da farra, mesmo estando aborrecida, mas aceitaria o
argumento de que o custo altíssimo era o vilão da vida desafortunada – só para
não discordar do marido. Não percebiam que o viver se tornava mais tristonho,
após cada carnaval.
Era bem de manhãzinha. Entre os transeuntes enfadados de sono, vi descer
um homem que muito mal se aguentava sobre o próprio corpo. A fantasia
parecia-lhe um fardo, de tão incômoda. O que deveria passar em sua memória?
Talvez ainda pudesse ouvir o rumor de muitas vozes, como as vozes de uma
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