Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 159

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 Inúmeras outras informações foram colhidas sem que produzissem nos pais de Miro o efeito desejado. Leram, por exemplo, em artigo de uma conceituada revista que “os transgêneros já fazem parte do cotidiano brasileiro, correspondendo a 0,5% da população e que já alcançaram no mundo a casa dos 35 milhões, o equivalente à população do Canadá”. Obtiveram a informação de que hoje já foram identificados os "intersexuais", aquelas pessoas que nasceram com alguma variação de anatomia do aparelho reprodutor. Diante da possibilidade dessa última tábua de salvação foi constatado, para decepção geral, que não era o caso de Miro que era, em caráter definitivo, só e simplesmente transexual. Por fim, expulso de casa e do coração da família, foi viver sua própria vida assumindo-se Átina. Conhecendo-se, como já sabemos, afeiçoaram-se, apaixonaram-se e casaram-se,passando a formar uma nova família, excêntrica ainda aos olhos de muitos. Aconteceu o que era perfeitamente previsível, embora ainda difícil de se admitir na sociedade hodierna, mas que no futuro poderá tornar-se fato corriqueiro. Estando o casal em pleno vigor físico e intactos seus órgãos reprodutores, a gravidez de Ruan foi inevitável como inevitável foi contar esta história, para muitos sem pé nem cabeça. Estamos de volta ao consultório onde o Dr. Chagas se encontra às voltas com (suas?) pacientes. O relógio na parede marca 17 horas e o entra e sai continua intenso. A atendente, sempre solícita e de ar indefinido, abre a porta e chama por Ruan que adentra à sala como quem se dirige ao desconhecido. Meia hora depois reaparece com as mãos cheias de caixas e mais caixas de remédios “amostra grátis”, além de papéis que vão desde receitas a solicitação de exames, passando por recomendações sobre regras de comportamento a serem seguidas durante a gravidez. Sem ter como e em que acomodar tanta coisa, sentiu que naquele momento um importante acessório feminino lhe fazia falta - uma bolsa. As outras pacientes, entupidas de curiosidade quiseram saber de logo se estava tudo bem com o feto e seu pai (ou seria mãe?), e diante da resposta afirmativa alongaram a conversa até a inevitável indagação sobre sexo e possível nome. Quanto ao sexo, respondeu Ruan: não está definido, satisfazendo o fato de ser apenas um bebê. Por enquanto chamemos de meninx. 156