LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Aconteceu numa bela noite o inevitável. Conheceu Átina, que foi amor à
primeira vista, desaguando em paixão arrebatadora. Estudante de arquitetura e
trabalhando no segmento de moda, fazia bico em um teatro como assistente de
cenógrafo. Tivera poucos namorados; não residia em casa dos pais e dividia um
apartamento no Leblon com uma famosa travesti, figura bastante conhecida no
meio artístico.
Conheçamos então sua história.
Átina nasceu Aldomiro e ainda em tenra idade recebeu dos pais o apelido
carinhoso de Miro, podendo variar em certas ocasiões para Aldon. Ali a sociedade
gestava um engenheiro civil, um militar de alta patente, um galã de novela ou
um bem-sucedido jogador de futebol, tudo a depender de suas habilidades e
escolhas pessoais, com incondicional apoio da família.
O destino, porém, lhe designava outro caminho. Logo nos primeiros anos de
vida viu-se atraído pelas roupas, leituras, brincadeiras e afetações de suas irmãs,
e aos 15 anos decidiu assumir em definitivo sua transexualidade. Deliberou por
deixar crescerem os cabelos, que se tornaram longos, brilhantes, sedosos e
cheios de viço; tomou hormônios femininos às escondidas e com a cumplicidade
de um primo gay; pintou unhas e lábios, pôs em destaque os seios volumosos,
as pernas torneadas, nádegas bem definidas, ao tempo em que lhe sumiram os
pêlos. Enfim era uma mulher perfeita, completa em exuberância e sensualidade.
Nem precisa dizer o que aconteceu em seguida na célula familiar. A mãe teve um
ataque de nervos e o pai ameaçou deserdá-lo, o que mais tarde foi confirmado
diante do fato consumado, mas a mudança era irreversível.
Poucas não foram as tentativas e investidas dos pais no sentido de reverter o
quadro, mas sem sucesso, ouvindo apenas dos especialistas explicações das
mais variadas que, apesar de sua comprovada cientificidade, não resultaram
convincentes.
Em primeiro lugar recorreram à teologia, ouvindo de um ex-padre, casado,
professor e brilhante em suas palestras, a explicação de que a resposta estava na
Bíblia, livro do Gênesis, capítulo 1 versículos 27 e 28, onde está explícito que
no sexto dia o senhor dos céus e da terra criou o homem à sua imagem e
semelhança, mas o texto aclareia mais o milagre da criação quando diz
taxativamente que "homem e mulher os criou". A coisa só tomaria uma nova
definição a partir do capítulo 2 verso 21, quando o Todo Poderoso deferindo uma
petição de Adão, separou os sexos, criando a mulher em separado mas sem
dissociá-la em sua essência, visto que advinda de uma costela ali não se fizera
nada de novo. A duplicidade de sexos estaria, segundo o professor, no princípio
da criação dos seres humanos. Primeiro gol contra do futuro atleta.
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