LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Lambe, lambe!
Sandra Modesto
Ituiutaba/MG
Depois de lamber teus pés, de lamber tuas coxas, de lamber teu ventre, de
lamber teu sexo, revirando as fotos, encontrando fatos, lambi o que eu mais
queria.
Lambi tua alma.
Era assim que eu imaginava ser lambida, ninguém sabia disso. Eu tinha apenas
treze anos de idade, me via no espelho da cômoda com o toucador, rebocando a
sensação imersa ao espaço, dividido por tantas meninas.
Minha mãe dizia que eu ficava trancada no quarto e que fazia mal.
Mal sabia ela, bem, mal eu sabia.
O tempo foi passando e o lambe- lambe era uma diversão moderna naqueles
anos dos fotógrafos engraçados. A gente se vestia com o melhor estampado e os
retratos perdidos em ângulos longe dos digitais.
O pastor da igreja falava muito alto, as orações me assustavam e minha avó
Iracema me puxava ao caminho do senhor, eu só tinha quatro anos eu só lambia
a chupeta porque eu não mamei no peito e chupei aquele troço enquanto minha
vó vivia.
Com pouco mais de quarenta anos, vó Iracema morreu. Eu ainda tinha quatro
anos, o tempo foi lambendo as nossas idas aos cultos, o curto período vivido
entre a primeira neta e a vó com nome do livro de José de Alencar.
Vó Iracema tinha os traços puxando para os de uma índia, passava e lavava
roupas pra ganhar o dinheirinho dela e era pra os moços que trabalhavam com
camisas e calças sociais, iguais aos dos liberais.
Mas uma frase não me saiu nunca da vida lambida:
- “Nunca deixam minha neta chorar, dos olhos dela não pode sair uma lágrima
sequer”.
Mas minha vó morreu e eu chorei muito na vida escondida ou estampada em
cenas com poucos ou muitos espectadores.
O forrobodó (pão doce) servido de manhã pra abastecer a fome rumo à escola
era maior lambida que eu degustava. Com minha mãe servindo a gente e meu
pai olhando de soslaio.
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