LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Já o procurei nas bolas do futebol que eu nunca soube jogar bem, em acordes de
violões que em vão tentei tocar, nas frestas entre os desamparos que vivem a me
perseguir.
Tentei achá-lo nos silêncios que tive de escutar, em barulhos que eu quis calar,
nos tantos becos e ruas e cidades e idiomas por onde andei, em brigas tidas ou
evitadas, nas incontáveis madrugadas que varei, e até bem no fundo da saudade
que nunca me sai do peito.
Pensei que seria possível descobri-lo na negação das minhas possibilidades e na
afirmação das minhas incapacidades, na exaltação que sempre fiz dos meus
muitos defeitos ou no encobrimento das poucas qualidades que eu possa ter.
Já quis dar de cara com ele, sei lá, em pleno pessimismo que me guia e até na
veia da timidez que me protege. Na alegria e no desamor. Assim como em
incontáveis bares que frequentei para ver se podia ser como ele – mas,
sobretudo, diferente dele.
Também o busquei no que havia de sabedoria nos meus amigos mais jovens e na
porção
menos
experiente
dos meus
amigos mais
velhos.
Noutros
pais,
conhecidos e desconhecidos de toda sorte. Em livros, discos, professores, atores,
e até nos ídolos que não tenho mais.
No meu avô. Na minha mãe. No meu irmão. Na minha avó. Na minha filha. Em
Deus.
Encontrei não.
Pode ser que um dia eu precise procurá-lo no onde-quando mais quero
esquecer que ele existe: no pai que tenho sido – ou tentado ser. E pode ser que
me surpreenda com a sua presença justo nessa prateleira, em algum corredor da
minha alma. Sem preço, marca ou validade. Apenas alojado nesse lugar de mim
em que luto com mais ardor para ser tudo o que ele não foi, não é.
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