Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 200

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 asfalto... A prata que ainda resta nele se encontra com o chumbo grafite da rua... Um fluxo vermelho vivo se espalha, fazendo a prata do bailarino boiar por alguns instantes, até afundar no mais absoluto silêncio... A dinâmica do espetáculo é interrompida, mas os aplausos não vêm... A insanidade sobre rodas esvaiu-se no espaço da impunidade e o bailarino será notícia por alguns segundos... A fama desnecessária da realidade imposta... A chegada do socorro inútil é o fechar das cortinas... O espetáculo chegou ao fim e o fluxo diário é retomado... O verde e o vermelho continuam ditando o ritmo... Mas a prata e o fogo já não dançam mais... O bailarino virou letra de música... E a vida continua... Na casa, talvez inexistente, do agora bailarino-estatística, a ausência só será notada quando a sede ganhar a dimensão de uma planície ressequida... Mas as gotas de água não mais virão... Elas se espalharam pelo chumbo e foram aprendidas pelos doutos representantes da lei do cão que, como numa partilha fariseia, dividem, sorridentes, um butim permissionário... O rei está nu e solitário... A coroa de espinhos é um capricho desnecessário, quase um preciosismo... E a parca prata da casa vai embora... Não haverá mais dança... A não ser que outros bailarinos mais jovens, que habitam a mesma improvável casa, irmãos de sangue, tanto o que corre nas veias quanto o que escorre no asfalto, façam gotejar esperanças e ilusões, em outras encruzilhadas... Exus consagrados pelo preconceito, que recebem o ebó do desprezo e da indiferença... Artistas da fome que, nesse mundo kafkiano habitado por insetos que governam e pessoas que são pisoteadas nas pedreiras desérticas da justiça cega, surda e muda, se equilibram no fio da navalha de um singelo circo de horrores, encoberto pela anestesia das campanhas de solidariedade midiáticas... A solidão da noite chega para todos... Para os bailarinos prateados, nunca amanhece... 197