LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Eterno
Ricardo Machado
Porto Alegre/RS
A enfermeira Edneia havia sido contratada para cuidar de Virgílio com direito
a um quarto. Mal se apresentaram e Virgílio, um desconfiado contumaz, franziu
as sobrancelhas fuzilando-a com aqueles olhos azuis de águia.
O trabalho não começou bem: logo no primeiro dia, ele subia as escadas se
apoiando na bengala, que sustentava o seu corpo encurvado, com um esforço
extenuante. Edneia se ofereceu para ajudá-lo. Quis impulsionar seus ombros.
Mas ele, que quase nunca falava, recusou grunhindo.
“É um homem doente e senil”, ela pensou, tentando ser tolerante.
À noite, Edneia subiu quase na ponta dos pés até o quarto onde ele dormia,
abrindo vagarosamente a porta; mas as dobradiças rangeram e, sem acender a
luz, se assustou ao vê-lo com aqueles olhos perscrutadores, como duas bolitas
brilhando no escuro. Ela disse boa-noite e fechou a porta.
“E mais uma vez aqueles olhos... Tão tristes e assustadores”, pensou.
A sala era muito escura, sem janelas, cercada por pequenos sofás nos cantos
e um maior no centro. Havia duas enormes estantes de cedro em cada lateral. No
meio de uma das estantes, um pequeno televisor. O corredor, que tinha ligação
com a sala, se estendia até a cozinha. Esta, por sua vez, era composta por
ladrilhos rômbicos laranja, amarelo e branco. Três quartos no piso superior e um
no inferior com cortinas em tons ferruginosos, todos praticamente iguais,
apresentavam toques de requinte. As paredes eram bege. Flores em vasos
idênticos, com pinturas abstratas em tons marrons e cinza-escuros, podiam ser
encontradas em todos os aposentos. Três vasos com orquídeas adornavam a
sala. Um, com cravos, a cozinha. Outros, com violetas, cada um dos quartos. Aos
fundos da casa, junto à cozinha, uma porta feita com multicamadas de laminados
à prova de som estava sempre fechada. Para ajudar no desenvolvimento das
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