Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 98

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 anos de parceria e coleguismo. Ele estava lá ou não? Havia outros olhos, quem sabe verdes, sondando sua beleza? Aquela passividade a que se via obrigada, a incapacidade que a prendia cortava à golpes finos d e gilete, de dentro para fora. O último cliente foi embora, a noite acabou, o restaurante fechou. Ele não apareceu. Isabel saltou do seu banquinho sobre os saltos altos, agarrou as coisas e saiu pelo mesmo caminho que entrara. Caminhou pela rua, temerosa. Parou na ponta da calçada. Aguçou os ouvidos para lhe sinalizar um veículo. Aflita com a hora e a exposição de si mesma que havia perpetrado – sentia-se fantasiada para um baile de carnaval que não acontecera. A caridade indesejada parecia se ressentir dela, que ousara tanto naquela noite – ousara ser mulher inteira, ousara somar beleza à feiura da sua deficiência. A ajuda dos olhos de outros a transpô-la os poucos metros para a outra calçada não vinha e os minutos se esticavam. Queria ir para casa, vestir-se da maneira como deveria, esquecer-se de tudo, aceitar seu lugar. Decidiu cruzar a rua de ouvido. Colocou o pé no asfalto, depois o outro. Esticou a mão e se lançou no desconhecido. www.gato-sorridente.blogspot.com 95