LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Ela
Pâmela Scutari
Garça/SP
Ela saiu de casa e foi ao mercadinho. Olhou para os dois lados, e nem fazia
sons de motor. Passou em frente ao bar e, dessa vez, manteve os olhos na
direção de seu nariz, que cortava o vento de passos apressados. Entrou no
estabelecimento e se encaminhou à seção de bebidas; a água estava cara
demais, mas a da torneira de casa, intocável.
Ela encarou etiquetas de números diferentes para um volume transparente,
todo igual. Pensou em voltar, beber da torneira mesmo. Então ouviu, “Você
poderia pegar aquela ali pra mim?”. Sua boca, antes cheia de água, secou. Olhou
para o lado esquerdo e encontrou um garoto, meio menino, meio homem,
apontando para uma embalagem. Engoliu de fazer barulho e disse, “Está cara
demais”. O garoto pensou por algum tempo e replicou, “Mas a de casa está quase
intocável”.
Ela ouviu passos em outro corredor, por isso olhou para o lado direito.
Queria ir pra casa e beber a da torneira mesmo. “É verdade, menino. Machuca
meu estômago”. Alcançou a embalagem mais cara e lhe estendeu uma garrafa de
revestimento e conteúdo da cor de cristal. O menino balançou a cabeça, “Fique
com essa. Mata a sede, que é uma beleza”. Alguns passos indagadores se
aproximaram; mostrou-se contrariada, então ouviu o menino dizer, “Pode ir”.
Ela saiu, bebeu e sorriu; seus lábios não se racharam. Por fim, voltou sem
olhar para os dois lados, porque, dessa vez, seu nariz cortava o vento de passos
apressados para compartilhar daquela água. Chegou em casa.
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