Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 33

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 A prova de Abraão Carlos Barth Macaé/RJ Em sua longa carreira o delegado Pilatos já tinha visto de tudo. Filho matar o pai? Comum. O contrário, pai matar o filho, não era tão corriqueiro, mas acontecia. Entretanto, com esse enredo inusitado jamais havia visto. Olhou com certa curiosidade para o acusado à sua frente, Abraão da Silva, 133 anos (certamente houve algum erro de digitação nesse registro), casado, aposentado, residente na comunidade de Nova Harã, sem antecedentes criminais. – O que o levou a tentar matar seu próprio filho, vovô? – Era uma prova de fé ao meu Senhor. Ele me ordenou “Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.” É doido mesmo, não há dúvidas. Basta lavrar a ocorrência e chamar o psiquiatra para atestar a insanidade mental. Quanto ao filho, Isaque da Silva, 33 anos, autônomo, residente à mesma comunidade já citada, é preciso encaminhar para o Serviço de Assistência Social. Provavelmente vai ter que comparecer à algumas consultas com um psicólogo. O rapaz passou um perrengue difícil de superar. Não fosse a patrulha da Polícia Militar passar na hora certa teria sido morto pelo próprio pai. Do mandante do crime, o tal “Senhor” de Abraão, não havia nenhuma informação que comprovasse sua existência. Nada. Nenhum documento, cadastro ou perfil em rede social. Nem ao menos um retrato falado foi possível elaborar pois o próprio executor do crime tinha dificuldades em descrevê-lo. Ao que tudo indica não o tinha visto, apenas escutado sua voz. Aliás, que “Senhor” é esse que pede para um pai matar o próprio filho como prova de fé? Deve ser coisa de magia negra. – Meu senhor, vou lhe expor os fatos. O senhor está enrascado até o pescoço. Foi pego em flagrante tentativa de homicídio com o agravante de que a vítima era seu próprio filho. Seu filho único! O senhor premeditou o crime levando-o até o topo da comunidade e o amarrando. Para agravar, fez isso tudo induzido por um motivo fútil: uma tal “prova de fé” ditada por uma “voz” dentro da sua cabeça. Consegue perceber como qualquer um o julgaria um louco perigoso? No entanto, você não me parece um sujeito ruim. O senhor é um homem idoso e eu realmente quero te aliviar e te diagnosticar como desequilibrado mental para você ir para uma Colônia Penal. Caso contrário, tu vais amargar o resto da vida na penitenciária no meio de um monte de bandidos de verdade. 30