Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 27

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 - Eu pensei que fosse o seu pai. Silêncio. - Mãe! O papai morreu. Aquelas palavras não pareceram abalar a viúva, que subitamente se ergueu para acolher o filho em um abraço caloroso. Beijou-lhe a testa e o tomou pela mão conduzindo-o à mesa. - Sente-se querido! Pelo avançar das horas o seu pai não deve voltar de viagem hoje. Minha nossa, imagino quanto trabalho tem tido! O filho sentou-se a mesa atônito sem tirar os olhos da mulher. - Ma... Mãe... - Não tem desculpas. Você janta comigo! A viúva colocou a comida no prato do filho sem esconder a satisfação que a envolvia no momento. Duas colheres de arroz, uma concha de feijão, com um bife à milanesa entre ambos. Como o marido gostava. Pôs o prato na mesa, defronte ao filho; ao lado, um pirex com salada de alface e tomate, a preferida do seu cônjuge. Preparou o seu prato juntando-se ao moço para comer. - Precisamos conversar, mãe. - Coma! – a mulher lançou um olhar fulminante para o filho, como se o rapaz quisesse estragar aquele momento sublime. O rapaz sabia que não adiantaria insistir. Conhecia o suficiente, pouco mais de três décadas, a mãe para saber que ela não admitiria ser contrariada naquele instante. Terminaram a janta ao som do tilintar dos talheres manobrados ora no prato, ora na boca. - Agora que terminamos de jantar, podemos conversar um pouco, mãe? - Querido eu estou exausta. Amanhã terei um dia cheio. Veja! Preciso organizar a casa. Vou me recolher, agora. Quando sair, leva a chave reserva e volte amanhã para almoçarmos. Pode ser que o seu pai já esteja em casa. A viúva beijou a testa do filho, em seguida trancou-se no quarto, iniciando o seu rito noturno. Sentou-se na cama, no lado em que o marido dormia. Pegou uma fotografia dele fixada em um porta retrato, em cima da mesinha de cabeceira. Com os dedos longos acariciou a minúscula face coisificada à sua frente. Em seguida, encobriu o sorriso largo do marido com seus lábios ressequidos desde que ele partira. Sempre neste momento uma lágrima ousava a escapulir dos olhos dela, que logo limpava, recompondo-se. Minutos depois a viúva adormecia agarrada no travesseiro banhado com o perfume favorito do morto, quando vivo. Na manhã seguinte dava início a toda rotina de espera novamente. 24