LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Correu até o quarto e abriu o guarda roupa. Afastou algumas sacolas, em
seguida pegou uma caixa. Sentou-se na cama. Com um profundo suspiro tirou a
tampa da caixa que estava aconchegada em seu colo, tal qual um recém nascido
desfruta do colo da mãe. Lá estavam eles, o par de saltos que o marido a
presenteara na comemoração do quadragésimo aniversário de casamento.
Enquanto calçava-os, suspirou ainda mais profundamente, lembrando-se daquela
noite em que jantaram e dançaram juntos. Deu um leve sorriso de
contentamento como se sentisse novamente as bolhas nos pés que herdara no
dia seguinte a celebração.
Pela terceira vez a campainha tocou, trazendo-a de volta das recordações.
“Ora! Porque ele não abriu a porta de uma vez?”. Pensou. “No mínimo perdeu as
chaves novamente!”. Balançou a cabeça em negativa, fazendo muxoxo. “Já sei!
Ele quer me fazer uma surpresa.” Caiu em si.
A mulher foi se aprumando enquanto voltava para frente da porta. Passou as
mãos nos cabelos, ajeitou mais uma vez o vestido e completou a segunda volta
na fechadura destrancando a porta. Lá estava o homem à sua frente. Pensou ela,
o quanto os dias faziam bem para ele. Como estava belo posto naquele casaco
jeans. Os cabelos enegrecidos lambuzados de gel penteados para o lado, fizeram
dele ainda mais jovem do que quando partira. Não teve como evitar a lembrança
do primeiro beijo.
Estavam sentados no banco de uma praça, conversando e observando os
pombos residentes do local, as crianças brincando no parquinho, uma tarde
agradável. Repentinamente a respiração do companheiro foi ficando pesada,
como se o ar estivesse faltando. E faltara-lhe mesmo. Asma. O desespero foi
tomando conta da moça, quando percebeu que o rapaz não portava a bombinha.
Ela abanando-o com as mãos, vendo-o desfalecendo sobre o banco, pedia que
ficasse calmo. Quando a moça começou a gritar socorro, o rapaz passou a
apontar para a boca como se quisesse comunicar algo. E queria mesmo. “Ele
precisa de respiração boca a boca!” ela pensou e logo em seguida, hesitando um
pouco, por não saber como proceder, encostou os lábios nos lábios do moço.
Soprando ar na boca do desfalecido, percebeu que ele ia se acalmando. Nada mal
para sua primeira respiração boca a boca. Continuou até sentir algo molhado
invadindo a sua boca. Arregalou os olhos percebendo que tinha sido enganada.
Mesmo assim demorou alguns instantes antes de reagir. “Atrevido!”, praguejou
ela dando um tabefe na cara do rapaz, que ficou no banco extasiado com o beijo,
observando-a ir embora pisando duro.
- Ele bem que podia ter me pedido! – As palavras saíram baixinho com um
leve sorriso.
- Mãe! – desta vez a voz do homem a sua frente despertara das lembranças
- O que houve? Por que demorou tanto para abrir a porta?
Silêncio.
- Mãe! Está sentindo alguma coisa?
A mulher virou-se com o semblante desarmado da esperança que a
envolvera minutos antes e em marcha lenta rumou para logo desabar o seu
corpo no sofá. O filho confuso com a situação entrou atrás dela, viu a mesa posta
para dois.
23