Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 25

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 A espera Diego da Silva Teles dos Santos Ilhéus/BA O dia raiara, quando a mulher do sobrado amarelo ligou o rádio. O bolero logo foi ganhando a rua, sinalizando para os moradores do bairro que o marido estava viajando. Os filhos do casal, criados, ganharam o mundo, restando à ela, na ausência do esposo, a única companhia do som daqueles boleros que embalavam a casa e davam a impressão de que a qualquer momento o companheiro entraria pela porta tomando-a pelos braços. O homem viajava a negócios, ao menos uma vez por mês. Nesses dias, a casa ficava vazia, sem graça, preenchida apenas pela ansiedade da espera e pelo som daquele ritmo. Os móveis lustrados, o chão de taco, de causar inveja às colegas que por vezes recebia, brilhava encerado. Nada fugia aos olhos da mulher, permanecia vigilante nas tarefas que tomara para si. Sempre no dia que antecedera a chegada do marido, a mulher preparava uma feijoada caprichada, do jeitinho que o homem gostava. Ele costumava dizer que feijão bom era feijão curado, de um dia para o outro. Maldade com os carteiros. Geralmente passavam pela redondeza por volta do horário do almoço. Vinham andando a avenida principal todinha, desciam a ladeira do metrô, passavam por algumas vielas, subiam a ladeira da esperança e desembocavam quase defronte ao sobrado amarelo. Desvalidos de fome, sentiam o cheiro do feijão da mulher invadindo suas entranhas. O zelo que ela dedicava ao marido motivava embates de opiniões na vizinhança. Algumas vizinhas se afeiçoavam ao modo como a mulher cuidava da casa, do cônjuge, utilizando-a como inspiração para modelo de senhora do lar. Outras achavam absurda tamanha dedicação. “Não sabe nem ao certo o que o marido faz quando viaja!” dizia uma. “Homem nenhum merece isso tudo!” falava outra. Entre os homens do bairro não havia discordância, todos cheios de elogios à mulher do sobrado amarelo. Isso quando as respectivas esposas não se encontravam por perto, do contrário, permaneciam mudos. Blin, blon! Certa manhã a campainha tocara. A mulher que estava distraída, observando os peixes bailando no aquário, assustou-se. Dando por si do que aquilo certamente significaria pôs-se de pé com um impulso, arrastando para trás a cadeira que estava acomodada. Enquanto ajeitava o vestido que a compunha, passando as mãos de cima a baixo, como se o calor delas aquecessem o tecido e o alinhasse, escutou a campainha novamente. Blin, blon. - Já estou indo! – sua voz ecôo sob a sala, quebrando a hegemonia sonora do tic tac do antigo relógio pendurado na parede. A mulher apressou-se para porta. Só podia ser ele, não estava esperando mais ninguém. Com a chave em riste, deu a primeira volta na fechadura para destrancar a porta. Antes de completar a segunda volta sentiu a frieza do chão beijar seus pés. “Minha nossa! Não posso recebê-lo descalça.” Sussurrou. - Sss...só um segundo! 22